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Potências (in)visíveis

Estudo analisa inserção e promoção de mulheres pretas nas empresas

28.10.20

Um estudo sobre inclusão de mulheres negras no mundo corporativo coloca em números a dura realidade enfrentada por profissionais pretas para serem contratadas, ficarem empregadas e receberem promoções. Desenvolvida pela consultoria Indique Uma Preta em parceria com a Box1824, agência especializada em tendências em consumo, comportamento e inovação, a pesquisa levou seis meses (de março a setembro) para ser concluída e indica, entre outros dados, que 54% das profissionais pretas entrevistadas não exercem trabalho remunerado.

Intitulado "Potências (in)visíveis: a realidade da mulher negra no mercado de trabalho", o estudo fez mais de mil entrevistas (de forma online) pela plataforma MindMiners e revela que 39% das mulheres ouvidas estão procurando emprego no momento. A pesquisa compilou ainda dados qualitativos coletados em grupos de discussão, fez entrevistas com especialistas e análises de futuro.

A população negra é maioria no país, representando 54,9% da força de trabalho e 57,7 milhões de pessoas, de acordo com o IBGE. Ainda assim, ela é sub-representada no mundo do trabalho. No caso das mulheres pretas, elas são 28% da população brasileira, sendo o maior grupo étnico do país e a maior força de trabalho.

Mas um dos dados escancara o tamanho do abismo entre conseguir uma posição no mundo corporativo e chegar ao topo do mercado de trabalho. Segundo a pesquisa, 72% das mulheres negras não foram lideradas por outras mulheres negras nos últimos cinco anos. De todas as profissionais negras entrevistadas, nenhuma era CEO. Apenas 2% exerciam o cargo de diretora no atual trabalho, contra 3% de gerentes, 3% de supervisoras/ coordenadoras, 3% de sócias/ proprietárias, 8% de analistas, 18% de administrativo/ operacional, 23% de assistente/auxiliar e 5% de estagiários/trainees.

Um dos objetos da pesquisa foi identificar barreiras que interferem nas relações de trabalho e empregabilidade das mulheres negras, impedindo um olhar para suas potencialidades. A primeira questão a chamar atenção é a da inserção e ascensão. A falta de oportunidades de crescimento profissional é a principal causa de insatisfação entre mulheres negras.

Das entrevistadas, 51% afirmaram que receber promoções foi difícil ou muito difícil nos últimos anos; 37% se disseram insatisfeitas ou muito insatisfeitas com esse fator; e 54% das representantes das classes CDE declararam que o reconhecimento profissional é difícil ou muito difícil.

Outro destaque é a falta de seguridade. A sensação de instabilidade leva as profissionais a questionarem suas habilidades com frequência, o que pode comprometer o rendimento. “Quando estabelecidas na carreira, ainda existe o desafio da transição entre empresas e a dificuldade de manter o nível hierárquico conquistado, uma vez que o mercado não promove essas mulheres a cargos mais qualificados com a mesma frequência que outros perfis”, explicou Verônica Dudiman, sócia e cofundadora da Indique uma Preta.

Questionadas sobre o impacto de experiências racistas no contexto profissional, 44% se sentem inseguras para acreditar no seu potencial; 42% temem se posicionar ou falar em espaços coletivos; 41% têm a qualidade de vida alterada (com problemas como sono e ansiedade); e 32% fazem alterações compulsórias sobre a estética para se adequarem aos ambientes de trabalho.

Como resultado desse quadro, muitas profissionais negras buscam ter uma “super performance”. Elas constantemente se esforçam para entregar o trabalho acima das expectativas e, assim, transpor o preconceito.

Desejos

A necessidade de ter uma super performance as coloca em situação extrema de cobrança e de fadiga física e mental. Das mulheres de classe CDE, 44% consideram a qualificação profissional difícil ou muito difícil. Porém, mesmo com menos oportunidades, as mulheres negras pretendem continuar se aprimorando para o mercado de trabalho: 43% pretendem voltar ou continuar a estudar; 31% querem fazer cursos específicos de capacitação em sua área; e 33% desejam buscar melhores condições de trabalho.

Em relação a líderes de empresas, existem barreiras como o desconhecimento da questão e uma visão enviesada dos avanços. “Por não se aprofundarem na multiplicidade de existências, o pouco que caminhamos em medidas afirmativas já é entendido como muito. Por isso, eles acreditam na diversidade de forma mais superficial, sem entender suas múltiplas potencialidades e os benefícios para o negócio”, afirmou, em comunicado, Malu Rodrigues, pesquisadora cultural e estrategista de conteúdo da Box1824.

Os realizadores da pesquisa observam que líderes, marcas e empresas ainda engatinham para se aprofundar nessas temáticas - e muitos se paralisam por medo de se expor. Além disso, há um abismo entre pensar em ter pessoas negras na empresa e realmente tê-las.

Políticas afirmativas

Apesar do aumento de iniciativas para inclusão por algumas empresas, o caminho a ser percorrido é longo. Um dos aspectos a ser avaliado é a existência de uma política de diversidade. Existem companhias que fazem políticas afirmativas, mas com direcionamentos amplos e pouco estratégicos.Os primeiros beneficiados são aqueles que já estão na ‘frente’, como pessoas de outros grupos minorizados, mas ainda assim brancas. Ao olharmos as metas estabelecidas por grande parte das empresas brasileiras, a mulher negra fica para o final da fila” apontou Verônica.

Outro ponto de atenção é o sistema de indicações das companhias. A explicação é que ele privilegia a contratação de pessoas conhecidas ou próximas de profissionais que já estão nas empresas. Como esses espaços são majoritariamente ocupados por pessoas brancas, o sistema privilegia que mais pessoas brancas sejam contratadas.

Além disso, mesmo em lugares em que existem ações afirmativas, os tipos de vagas demonstram que, quando se fala de projetos de inclusão de negros no mercado, a maior parte das companhias foca em cargos na base da hierarquia, como assistentes ou analistas juniores. “Mesmo que a pessoa tenha experiência, ela necessita percorrer um caminho de enfrentamentos para ocupar cargos maiores”, declarou Malu, da Box 1824.

O estudo pode ser acessado aqui.

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