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45º Anuário

Perspectivas dos presidentes de júri (Rafael Pitanguy e James Pinto)

27.08.20

Apesar de este ser um ano diferente de tudo, o Clube de Criação decidiu manter sua premiação e as razões estão expostas na Carta ao Mercado (que pode ser lida aqui). Como em todas as edições anteriores, o 45º Anuário fará a celebração do melhor que a Criatividade publicitária produziu neste país.

As inscrições estão encerradas, com exceção de duas categorias: Estudante, cujo data-limite vai até 03 de setembro (leia mais aqui), e Periferia Criativa, com prazo estendido até 10 de setembro (confira aqui). Em breve, começa o trabalho do júri. Neste ano temos  algumas diferenças. A começar pelo julgamento, que será virtual.

Outra novidade é que todos os júris são compostos de 50% mulheres e 50% homens. A edição traz, desse modo, um importante foco na diversidade (veja quem faz parte dos júris).

Clubeonline procurou os presidentes de júri para comentar o ano, o 45º Anuário e o valor da Criatividade. Nesta quarta rodada de entrevistas, as considerações são de Rafael Pitanguy, CCO da Y&R, na categoria Criação, e James Pinto, CEO da Jamute, que vai presidir a categoria Trilha (Trilha Original/ Melhor Uso de Música/ Sound Design) + Radio.

Já participaram:

- Laura Esteves, diretora executiva de criação da DPZ&T, e André Kassu, sócio e diretor de criação da CP+B, ambos na categoria Criação (reveja aqui).

- Luciana Haguiara, diretora executiva de criação da MediaMonks/Circus e presidente de júri na categoria Digital, e de Carolina Markowicz, roteirista, diretora e sócia da Rebolucion Brasil, presidente de júri na categoria Técnica Filme (aqui).

Edu Lima, sócio e ECD da Wieden+Kennedy, na categoria Criação, e Theo Rocha, diretor do Facebook Creative Shop Latam e presidente de júri da categoria Estudantes (aqui).

Confira:

JULGAMENTO EM TEMPOS DE PANDEMIA
Rafael Pitanguy - Este ano tive a oportunidade de julgar o D&AD, que também aconteceu remotamente e num momento no qual a angústia e a incompreensão com a pandemia eram ainda maiores. Menciono isso porque mesmo ali, com jurados de nacionalidades diferentes, e trabalhos inscritos nos mais diferentes idiomas, tudo correu bem. As discussões foram construtivas e os bons trabalhos, premiados. Acredito que aqui, onde compartilhamos idiomas, amizades e, consequentemente, até critérios criativos mais parecidos, não vejo motivos para termos grande dificuldades com o processo. Essa é a primeira vez que vou presidir uma das categorias do prêmio e eu não poderia estar mais honrado. Tanto pela importância do Clube na preservação e celebração da criatividade, como também por exercer esse papel num ano em que o Clube equilibra a presença de gêneros e dá muito mais foco à diversidade.

RETOMADA E CRIATIVIDADE
Pitanguy - Não tenho uma visão ou uma crença diferente na criatividade em função da pandemia. Até porque acho que ela tem sido essencial tanto em crises como em épocas de prosperidade. O grande problema é que a criatividade, nas mais diferentes áreas, depende de apoio, de investimento e de estrutura para acontecer. Acho perigoso ignorarmos isso. No momento em que verbas, estruturas e investimentos diminuem tanto, a criatividade também sofre. Claro que podemos ser criativos e efetivos fazendo um cartelado, mas é muito melhor quando podemos ser criativos e efetivos fazendo também um cartelado. Quando o Gondry filma um curta ou o Soderbergh um longa usando uma câmera de celular, isso era uma opção e não uma obrigatoriedade. Criatividade é um investimento. Sabemos que todas as agências estão lutando como nunca para fazer bons trabalhos, mas a realidade atual deixa tudo muito mais difícil. De verdade, não aguento mais ouvir que, na lendária sabedoria chinesa, crise e oportunidade são representados pelo mesmo ideograma. O que, aliás, descobri outro dia que é mentira. Prefiro acreditar que a retomada econômica também vai significar uma retomada criativa.

MERCADO ANTES E DURANTE A COVID
Pitanguy - O que mais me impressiona no mercado durante a covid é a nossa imensa capacidade de continuar criando, produzindo, veiculando, pensando mesmo com uma mudança tão grande e tão rápida de realidade. Não estamos num home office padrão, mas numa situação em que trabalhamos enquanto filhos não vão para a escola, em que amigos e familiares ficam doentes, em que passamos álcool em gel até em ovos e tomates. É tudo muito estranho e assustador, mas seguimos fortes, resilientes, dedicados. Falo tanto de agências, como de clientes, de produtoras. Mesmo nesse liquidificador entre a vida pessoal e a profissional, não perdemos nossa capacidade produtiva. Fora isso, vejo uma ampliação clara nos espaços em que passamos a ocupar dentro dos clientes. Nunca pensamos tanto em produtos, plataformas, estratégias, canais digitais. Pela enorme quantidade de pontos de interrogação que a pandemia criou, nos mais diferentes segmentos, ter pessoas com backgrounds diferentes, com uma crença forte em criatividade e até com menos expertise no segmento pode ajudar muito nas formas de solucionar determinadas questões. Como as perguntas mudaram, contar só com quem tinha as respostas prévias ficou muito limitante. É aí que, acredito, a criatividade pode fazer uma grande diferença.

INTENSIDADE DAS MANIFESTAÇÕES SOCIAIS
Pitanguy – Acho que 2020 vai transformar muitas intenções em gestos. Este ano tem provado que trabalhar apenas no âmbito do discurso ficou absolutamente limitante. Já não basta apenas refletir criticamente. É necessário exercer o poder da ação. Para ficar dentro do dicionário publicitário, chega de awareness. Não adianta o mundo lutar por respiradores enquanto uma parcela da população é sufocada. É tempo de uma urgente transformação. Talvez por isso, não acho que teremos mais peças abordando esses temas. Abordar o tema ficou pequeno. Há tempos que agências criam peças com temas inclusivos. Motivados tanto por responsabilidade como, infelizmente, também por oportunismo. Mais importante que criar qualquer peça é criar um júri 50/50, é criar escolas de publicidade capazes de inserir profissionais que não teriam chance de chegar a grandes agências, é pensar em representatividade quando criamos da campanha mais careta à mais premiada.

JÚRI 50/50
Pitanguy - Tenho a sorte de minha mãe ser uma grande militante do movimento feminista no Brasil, tendo dedicado sua vida a uma luta ativa pela saúde reprodutiva, pela representatividade, e contra a desigualdade de gênero. Ver que essa conquista chegou à área em que trabalho me emociona profundamente. Como publicitário e, também, como filho.




JULGAMENTO E CATEGORIA TRILHA + RÁDIO
James Pinto - O julgamento vai acontecer em um período em que todos já estão completamente adaptados a esse formato de videoconferência para tudo na vida, desde trabalho até happy hour. Não acredito que haverá problema em avaliar as peças e discutir pontos de vista. Sempre gostei de ponderar argumentos, aglutinar ideias e buscar um senso comum em um grupo de trabalho. É uma tarefa muito prazerosa e desafiadora, ainda mais com os cérebros extremamente intelectualizados que temos na produção de áudio. O nível é alto e isso ajuda muito a atingir um bom resultado. Categoria de áudio sempre me surpreendeu pela capacidade criativa, principalmente pela rápida adaptação a tendências e produção de um conteúdo musical surpreendente e inovador. É um julgamento difícil e sempre foi exigente e criterioso pelo nível das produções serem, em geral, ótimas.

VALOR DA CRIATIVIDADE
James - A música e a produção de áudio, de forma geral, tomaram um protagonismo único nesta época de pandemia. Com a impossibilidade de qualquer situação que envolvesse grupos de pessoas, os filmes, grandes responsáveis pela condução criativa na produção eletrônica, ficaram sem sua força de transformar um roteiro em encantamento. Sentimos parte da transferência (dessa força) para o áudio, que pode ser totalmente feito em home studio, o que nos trouxe a responsabilidade de dar vida aos roteiros. A música, como a primeira arte, sempre vai ter uma posição de importância em tudo o que envolver encantamento e comunicação. A campanha e a condução da comunicação podem ser commoditizados, mas sempre exigiram o que houvesse de mais atual, que estivesse sintonizado com todas as tendências mundiais e nacionais para a composição de uma música ou produção de áudio para criarem um diferencial para as marcas. Em resumo, seremos muito exigidos sempre pela nossa importância em emocionar. E com música não tem desculpa de não conseguir fazer isso.

DESAFIOS DO MERCADO
James - Antes da covid-19, o mercado vinha anunciando uma queda nos valores e ainda um momento de organização dos nossos produtos diante da diversidade de entregas para o digital e uma luta pelos prazos insanos de pagamento, que também estavam incomodando o bom funcionamento das produtoras. Durante a covid-19, de uma forma bem sensível, os prazos de entrega das produções ficaram quase instantâneos. Houve uma queda de preços considerável, porém, um aumento de trabalho para posicionar produtos, serviços e marcas com agilidade diante da situação. Como os processos ficaram mais ligeiros pela impossibilidade de abrir câmera, o volume de trabalho para o áudio teve um aumento significativo. Esses valores têm de voltar aos patamares normais, para a saúde do nosso segmento, logo que possível. Por enquanto, é pura sobrevivência.

MANIFESTAÇÕES SOCIAIS E MARCAS
James - Esses momentos de transformação são essenciais para criarmos uma sociedade mais justa, plural e para que não deixemos um histórico de vergonha para as gerações seguintes. A publicidade e sua inteligência criativa para abordar e jogar na cara temas difíceis de forma contundente tem papel fundamental nas transformações e na sua potência para a conscientização. Deveremos sim ter peças, ações, engajamentos e todo o arsenal de persuasão que temos na mão para mostrar nossas deficiências sociais e ajudar a resolvê-las.

JÚRI 50/50
James - Não tem mais como viver em um mundo desigual. Passamos de 7 bilhões de habitantes e, se não tivermos uma conscientização de ocupação do espaço na nossa sociedade, viveremos de forma injusta. Especificamente no caso das mulheres, já não é de agora que elas mostram sua força, competência, honestidade, criatividade, muitas vezes de um ponto de vista que os homens não têm. As mulheres vêm conquistando seu espaço por mérito, muitas vezes cansadas de terem de provar a sua eficiência, já que acabou a imposição pela força física, mas sim pela força das ideias. E, por fim, não é apenas ter um discurso barato de que as mulheres merecem suas posições por serem melhores, por serem mulheres, mas porque, particularmente, exerceram uma função melhor que outro ser humano, que pode ser homem, trans ou outra mulher. Quando chegarmos a esse entendimento, teremos atingido o equilíbrio. Mas até lá temos, sim, de abrir espaço para o que foi covardemente fechado.

45º Anuário

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