arrow_backVoltar

Colunas Clube 2015

O novo pobre (por Rynaldo Gondim)

03.09.15

Se você é rico, isso quer dizer que você é rico. Nada mais. Não é uma virtude. É um dado insignificante (especialmente para mim, que não vou usufruir do seu dinheiro).

Você pode ser rico porque é herdeiro, porque é sortudo, porque é corrupto ou porque é psicopata. Se você ficou rico por causa do seu talento, tudo bem. Isso é outro dado. Você é rico e talentoso. Assim como poderia ser pobre e talentoso, como muitos amigos meus.

Ser talentoso é um dado admirável. Ser rico não é. Da mesma forma que não é admirável ser pobre. Ser pobre é uma bosta e, infelizmente, eu cheguei a essa conclusão de forma empírica.

Mas os ricos – e principalmente aqueles que acham que são ricos só porque compraram um carro grande – pensam diferentes. Eles costumam acreditar que o dinheiro é prova incontestável de sua superioridade. O pior é que acreditando nessa bobagem têm a certeza de que o contrário também é verdade. Ou seja, para muita gente, a pobreza é prova de incompetência e inferioridade. O que explica a forma injustificável como muitos empregados domésticos são tratados nesse país.

No passado recente do Brasil, a economia era sustentada pelo consumo. E o governo do PT – a despeito de todos absurdos cometidos – tirou uma turma enorme da faixa da miséria e da pobreza e a levou para dentro de supermercados e shopping centers.

Logo, o novo consumidor virou foco de publicitários e marqueteiros que começaram a disputar esses novos cartões de crédito que apareceram no mercado. Rapidamente, surgiram os “pobrólogos” – profissionais que diziam conhecer intimamente a alma desse novo consumidor. Nesse período, o que foi gasto de dinheiro com pesquisa para descobrir que pobre se comporta como qualquer outro ser humano dava para ter tirado mais gente da faixa da miséria.

Bom, os tempos mudaram. A economia baseada em consumo pode ter sido eficiente, mas era um formato muito caro que não se sustentaria muito tempo. Isso, junto com os escândalos de corrupção da nossa República de Sucupira, quebram o país. Se antes tínhamos os novos-consumidores e os novos-ricos, agora temos os novos-pobres.

Até agora (pelo menos que eu saiba), ninguém se habilitou em lançar teorias sobre como se comporta esse novo modelo de consumidor. Estou ansioso. Imaginem os possíveis resultados dessas pesquisas:

O novo-pobre não pode mais comprar 300 gramas de Pata Negra. O que não significa evidentemente que ele não possa pedir 300 gramas de Pata Negra para colocar no carrinho do supermercado. Afinal de contas, ele pode esbarrar com algum vizinho. Se você é dono de supermercado, trate de contratar alguém para repor as mercadorias que serão abandonadas nos carrinhos próximos aos caixas. Uma possibilidade é oferecer aluguel de carrinhos lotados de iguarias de primeira para o novo-pobre circular no mercado enquanto compra produtos de segunda, mais adequados à sua nova realidade”.

Se você vende carros de luxo, não precisa se preocupar. O novo-pobre não vai abrir mão de trocar sua SUV branca todo ano. Nem que para isso tenha que vender o filho do meio ou o caçula, dependendo do desempenho escolar de cada um”.

O novo-pobre – muito mais sofisticado que o pobre de raiz – é capaz de entender que a falta de dinheiro é motivo de vergonha e precisa ser escondida (ironicamente) a qualquer preço. Pare de fabricar bens de consumo caros. Fabrique apenas as embalagens. Elas estão em alta”.

Essas pesquisas seriam divertidas. E descobriríamos um monte de coisas que já foram ditas por Fred Hirsch, em 1976. Hirsch é o economista que criou o termo “bens posicionais”.

Não sei não, mas se a gente lesse um pouco mais, pesquisava um pouco menos.

Por Rynaldo Gondim, Diretor de Criação da AlmapBBDO.

Leia texto anterior deste colunista aqui.

Colunas Clube 2015

/