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B-Corporations: um caminho de propósito (Guilherme Curi)

25.07.16

Apesar de ter nascido há uma década, parece que só agora o mundo está aberto a absorver algumas de suas progressistas proposições. O movimento B-Corporation, ou Empresas B (de benefit, ou benefício), representa uma evolução das tradicionais práticas de Responsabilidade Social Empresarial (RSE) características das empresas engajadas em “fazer o bem”, no final dos anos 1990 e inicio dos anos 2000.

Submetidas a um olhar cada vez mais crítico de consumidores e da mídia, as práticas de RSE acabaram ganhando caráter marqueteiro e perderam força, deixando um vácuo no campo de iniciativas sociais e ambientais, oriundas do mundo corporativo, que logo começou a ser preenchido com o surgimento de startups com missões ambiciosas e tecnologias disruptivas, que vêm quebrando inúmeros paradigmas e solucionando alguns dos nossos mais pertinentes problemas e desafios globais.

Enquanto isso, a maioria das empresas “tradicionais" encontra-se  em uma espécie de limbo, tentando criar uma nova narrativa que seja aderente à era da ultra-conectividade, ultra-competitividade e gradual dominância de um sistema de valores vindo de uma nova geração - Millennials, ou Geração Y - conhecida por ser a geração do “propósito”.

As B-Corporations (ou B-Corps, como são chamadas nos EUA) surgiram como uma alternativa viável e concreta para o cause marketing, ou marketing de apelo social, já enfraquecido em tempos de mídias sociais, em que falar alto apenas não basta.

Ancoradas pelo tripé (1) bom lugar para trabalhar, (2) bom para a comunidade e (3) bom para o planeta, as B-Corps são organizações legalmente estruturadas de forma a proteger a missão da empresa disposta a de fato fazer o bem. Pelas leis norte-americanas, toda corporação deve privilegiar a maximização do retorno para os acionistas, o que significa operar com extrema eficiência mensurada por relatórios de curtíssimo prazo - o que obriga a empresa como um todo a funcionar com foco no curto prazo.

No entanto, se uma empresa opta por oferecer licença maternidade de seis meses, ou investir em um restaurante da comunidade em que a maioria dos seus funcionários almoça, ou trocar o cultivo tradicional de algodão pelo de algodão orgânico, ela enfrentará enorme resistência por parte de seus acionistas, que alegarão que estas iniciativas não necessariamente privilegiam a maximização do retorno sobre investimentos.

Os três cenários acima foram casos reais trazidos por lideres de B-Corps, em encontro ocorrido em Nova York, no inicio do mês, cujo objetivo foi trocar melhores práticas e expandir o movimento para outros líderes de outras empresas também presentes na conferência.

Atualmente, mais de 1,5 mil empresas pelo mundo se tornaram B-Corps, dentre as mais notáveis Patagonia, Etsy, Warby Parker, Toms, Ben & Jerrys e a brasileira Natura. O processo para se tornar uma B-Corp pode levar alguns meses, até anos, dependendo do estágio de amadurecimento da empresa.

Através de uma série de indicadores, empresas devem provar que estão em linha com práticas sustentáveis, passar por uma reestruturação legal que permita que a empresa invista a longo prazo na implementação de ações internas e externas, aumentando o engajamento dos funcionários e atendendo as necessidades da comunidade e do planeta. Após minucioso processo de “investigação”, que inclui entrevistas com outros stakeholders para verificação da autenticidade das ações da empresa, ela ganha o selo B-Corp, válido por um ano, certificado por uma fundação independente chamada B-Lab.

Dentre os principais temas discutidos na conferência, talvez o mais nevrálgico tenha sido como crescer o movimento trabalhando a ideia de propósito com lideranças empresariais. Diversas B-Corps percorreram uma trajetória similar, composta por uma série de passos que funcionam como uma espécie de “receita de bolo”. O caminho começa por estabelecer uma missão de impacto para a empresa, comunicá-la de forma direta e não invasiva (sem publicidade) cultivando aliados e/ou grupos de interesse que possam legitimá-la, e servir como exemplo para outras empresas.

No entanto, por mais que estes passos sejam de fato representativos do processo, a questão que impera passa a ser antes de tudo transformar o modelo mental de líderes para que estejam abertos a este tipo de proposição.

Em empresas de capital aberto, a pressão por resultados parte dos investidores. Portanto, a transição para um modelo B-Corp é uma questão a ser trabalhada também de fora para dentro, envolvendo este público. Porém, para boa parte dos líderes empresariais, o ponto focal é o entendimento de um novo tipo de propósito que vai trazer mais do que apenas resultados financeiros, abrangendo o impacto que empresas têm em seus próprios funcionários, nas comunidades onde estão e no planeta como um todo.

Este tipo de propósito, mais holístico e altruísta, é hoje capitaneado pela Geração Y, que por sua vez o manifesta através da concepção de novos modelos de negócio, como Airbnb e Uber, entre outros, focados na solução de problemas complexos (no caso, novos modelos de hospedagem e de transporte público). Para as demais empresas, entender tais demandas internas e externas faz parte de um caminho gradual, porém sem volta.

A ascensão das B-Corporations é um framework, porém não o único, que coloca propósito no centro da cultura organizacional. Seguindo esta tendência, o ponto nevrálgico passa a ser como trabalhar o entendimento do novo contexto que requer tal propósito, a sua conexão com oportunidades claras de mercado e a estruturação de um processo de mudança de cultura organizacional, compatível com o momento da empresa.

O sucesso desta transformação dependerá da amarração empática, viável e estratégica de três necessidades: empresa, pessoas e planeta. Aqui, cada caso é um caso - não há receita.

Guilherme Curi, Innovation Strategist & Organizational Designer - August

Leia o artigo anterior de Curi, aqui.

twitter: @guicuri

medium: @GuilhermeCuri

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