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‘Papai quer se divertir’

Edu Lima revela seus planos ao Clubeonline

26.08.15

Clubeonline: 21 anos são três ciclos de sete anos concluídos. Cada um deles foi importante, de uma forma diferente?

Eduardo Lima: Um dia eu assisti uma palestra e o cara disse que você deveria fazer uma campanha por ano que te levasse a demissão. Gostei disso. É aí que nascem as ideias realmente interessantes. Entrei na agência com esse pensamento. Só que uma por ano eu achava pouco. Isso é algo que nunca mudou em mim. Independentemente do ciclo em que estava. Os primeiros sete anos, fui redator. Nos outros, eu fui redator e Diretor de Criação. E nos últimos, eu fui redator e Diretor Geral de Criação. O cargo nunca foi importante. O importante era tentar algo que levasse à demissão. Eu sempre disse pro Fabio: "vai que o sentinela adormece!"

Clubeonline: Você segue para Los Angeles com a família para respirar e arejar, merecidamente, ou também pretende fazer cursos, como por exemplo de roteiro, ou ainda freelar vez por outra?

Edu: Eu aluguei uma casa em LA. Minha mulher gostou da casa. Meus filhos gostaram da piscina. Eu gostei da pequena garagem separada da casa. Nessa garagem pretendo alimentar quem me alimenta: a minha imaginação. Um lugar onde pode pensar o que quiser. Acho que a imaginação merece liberdade. Saia da gaiola, saia! Quero experimentar. Estou aberto. Curso de roteiro está nos planos, sim. Até porque eu gosto muito de filme. Faço filmes há pelo menos 25 anos. Filmes publicitários, mas filmes. Vejo vários diretores tentando realizar o sonho do longa próprio. Me interessa fazer algo para cinema ou mesmo pensar uma série de TV. Não descarto freelas também. O mais importante pra mim agora é o que eu digo pros meus filhos: papai quer se divertir.

Clubeonline: Para a maior parte das pessoas, Edu, Fábio Fernandes e F/Nazca eram quase uma trindade inseparável. Os elos eram muito fortes, e certamente seguirão fortes, ainda que haja agora este distanciamento. Mas, ao seu ver, esses 21 anos na casa se deram mais por conta da “trindade” sacramentada, que fazia com que ninguém se atrevesse a tentar romper, ou por uma decisão pessoal sua, que realmente fez da F/Nazca sua casa de trabalho e do Fábio seu grande parceiro de carreira?

Edu: A F/Nazca nunca foi uma casa pra mim. Era um playground. Muito melhor do que uma casa. Muitos brinquedos e atrações. E o dono do play era chapa. Deixava eu brincar com o que eu quisesse. Praticamente uma anarquia civilizada. Nego fica com medo de falar porque cliente fica com medo e acha que parece bagunça. Não é bagunça, Sr. Cliente! É caos criativo! E isso é bom, tá? O dono do play confiava em mim e eu nele. Difícil achar uma composição assim no mercado. Confiança absoluta e respeito total. Uma aliança muito rara. Foi uma conexão avassaladora na busca do diferente. Conseguimos belas vitórias. Tentaram me arrancar de lá de várias formas. Mas o menino queria ficar mais no parquinho. Tô me divertindo, pô! Me deixa ficar mais, vai? Só mais um pouco! Fui ficando e brincando. A separação é dura para todas as pontas da "trindade" que você falou. Ali foi algo muito especial, com pessoas especiais. Eu preciso dar umas cambalhotas por aí. Mas torço para o dono daquele play continuar suas travessuras porque tem bastante gente legal e talentosa ali pra brincar.

Clubeonline: Longe de querer fazer desta entrevista algo melancólico, como se sua carreira em publicidade tivesse se encerrado, mas apenas como um balanço dos 21 anos na F/Nazca, quais as campanhas que vêm na sua cabeça no ato e te enchem de orgulho e prazer de ter feito, quando começa a puxar pela memória?

Edu: Eu acho que tem muita coisa de que eu me orgulho. A fase Nike é uma dessas coisas. Me identifiquei muito com a mística dessa marca. Só pra pegar três exemplos, eu citaria: 1) República 2) #coisadaboa 3) O filme AR DR. E pinçando coisas ao longo do tempo: "Gigante", para Claro, campanha "se o cara que inventou a Skol, tivesse inventado tal coisa...". Os filmes da Copa do Mundo dessa campanha, a trave que andava e não deixava os argentinos marcarem. O "corridinha matinal", para Rainha. Sucesso total. Como foi bom de fazer. O jargão "Estúpida" das tortuguitas. O "Curiosimo" para Pinacoteca. O "Xixi no Banho" para SOS Mata Atlântica, ganhador do primeiro Leão em Integrated e Titanum do País. Porra, tem tanta coisa que eu gosto. A fase Leica. Um espetáculo. Os dois filmes. Primorosos. O 100, nem se fala. Brutal.

Clubeonline: A F/Nazca sempre teve um ambiente diferenciado de trabalho e efervescência criativa. Por ali passaram e passam nomes incríveis. Esse convívio com caras como João Linneu, Fernando Nobre, Eduardo Martins, André Kassu e tantos outros, que não há como listar, foi um dos pontos altos da sua jornada na casa?

Edu: Olha, o Kassu tem uma memória que me irrita. E ele me disse que passaram 5 gerações ali nesse período. Se ele falou, eu acredito. A F/Nazca criou gerações de profissionais diferenciados porque a F/Nazca nasceu de uma forma, digamos, mais pura. Não surgiu de outra agência criativa, como a W veio a reboque da DPZ e como a Almap veio da Dm9. A F/Nazca veio de uma via nova. Não quero dizer que foi melhor ou pior do que qualquer outra. Todas foram fantásticas a seu modo. Eu só posso falar em profundidade da que eu vivi e dos profissionais que eu convivi nessa escola diferenciada que é a F/Nazca. Uma espécie de Barcelona. Ela cria gerações, forma craques. Não faz como o Real, que quer pegar o profissional mais prontinho possível. Todas as pessoas que você citou na pergunta foram marcantes e continuo convivendo com elas. Criamos laços fortes. Eu disse para o Linneu quando ele saiu: "serei eternamente viúvo de João Linneu". Ele sempre foi a fêmea do nosso casal. Eu tenho profunda admiração por essas pessoas e elas me ajudaram muito. Mas também tem muito mais gente que não foi citada na pergunta. Muito mais. E vão ficar enciumadas. E com razão. Crédito é necessário. É assim que construímos nossa reputação.

Clubeonline: Dá uma sensação de missão-mais-do-que cumprida fechar o ciclo com um GP de Film ganho em Cannes, o primeiro do Brasil?

Edu: Eu falei pro Fabio quatro dias antes do GP de Film que eu iria seguir esse rumo de LA. Não tomei a decisão depois do GP, foi antes. Li uma entrevista do (José) Padilha (que resolveu morar em LA) onde ele fala sobre como o Brasil e os brasileiros perderam a noção do absurdo. Eu vivi isso na carne. Meses atrás, quando teve um tiroteio na porta da escola dos meus filhos. Três mortos. Três mortos na porta da porra de uma escola num bairro nobre de SP. E teve pai que filmou as crianças correndo desesperadas e chorando. Tinha um filho meu ali no meio. A postagem no whatsapp rendeu o vídeo nos jornais noturnos da TV. Fiquei mais chocado quando encontrei meus filhos e o mais velho me disse: "normal, pai! Aqui no Brasil é normal isso! Tô na boa!" Normal é o caralho. Normal é o cacete. Normal só não é a puta que o pariu porque a sua mãe não é puta. Nem normal. (Rs) Esse dia foi decisivo pra mim. Claro que o GP foi espetacular. Claro que a sensação de dever cumprido é enorme. Quando comecei nessa profissão só se falava em GP de Film, que o Brasil era virgem. Fomos os pioneiros. Descabaçamos o país. Eu vi como um coroamento. Preciso pensar em outro objetivo agora. Ainda não sei bem qual é, mas acho que o GP de Film é algo como um cometa. Demora anos para passar de novo. Isso foi um alinhamento de planetas. Desde a composição da equipe de criadores até os diretores Jones+Tino que também se formaram dentro da agência. Esse GP foi construído ao longo da história.

Clubeonline: Só vou fazer sete perguntas, para não cortar o barato do ciclo. Então, aqui vai a última: Quando você volta?????? Cacete!!!

Edu: Porra, eu ouvi tanta coisa bonita quando anunciei a minha saída. Quantas palavras encorajadoras, apesar de carregadas do sentimento de tristeza pela minha saída. Quanta gente se dizendo inspirada por mim ao longo dos tempos. Não imaginava isso, nunca tinha parado para pensar. Por que não pode ser assim sempre? Por que esse mercado é tão desunido? Por que não pode competir sem se xingar, sem querer trapacear os outros? Por que tem que ser na sacanagem e não no jogo limpo? Não é possível que os grandes empresários do setor não percebam o mal que exercem no dia a dia das pessoas. Não sabem perder. Não sabem dialogar. São uns mimadinhos da porra. Muitos estão velhos na mentalidade. O que é pior do que na idade. Espremem os que estão procurando um modelo novo. Tentam sabotar. Acho feio isso. Eu não estou indo embora para nunca mais voltar, não. Eu vou sentir quando for a hora de voltar. Não sei prever. Depende do que aparecer. Mando notícias do mundo de LA.

Esta entrevista foi realizada por Laís Prado, editora do Clubeonline.

Leia anterior, sobre a saída de Edu Lima da F/Nazca, depois de 21 anos, aqui.

‘Papai quer se divertir’

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