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SPFC e o CPFC

Por Rodrigo Lebrun, da Wieden+Kennedy

25.08.10

Ah, Pelé, Rivelino, Garrincha, Zico, Sócrates, Romário, Ronaldos e Kaká, se vocês soubessem o quanto o seu sucesso é o meu tormento, acho que pensariam duas vezes antes de marcar os gols que marcaram e ganhar as Copas que ganharam.


Como todo Brasileiro que se digne, eu gosto de futebol, já fui em estádio, já fiz parte de torcida organizada, já vi meu time ganhar em dia de sol, perder feio debaixo chuva, já viajei pra campo adversário, já corri de outras torcidas, já levei tapa na cabeça de policial. Enfim, posso falar do assunto com conhecimento de causa.


A minha relação com o futebol é conturbada, como uma história do Nelson Rodrigues; eu gosto de futebol, mas o futebol não gosta muito de mim. Se gosta, faz questão de não mostrar.  Ironia do destino, Garrincha tinhas as pernas tortas e fazia maravilhas com a bola. As minhas são razoavelmente retas e eu sou uma desgraça.


Passei a vida inteira sendo o último a ser escolhido pra jogar e o primeiro a ser cogitado a ir pro gol. Quando botei aparelho nos dentes achei que essa seria uma desculpa para abandonar o travessão e ir pra linha. Ledo engano, nem escolhido eu era mais. Me restou estudar e ir pra propaganda, o que, no Brasil, pode te fazer tão rico e famoso quanto jogador de futebol (eu não sou nenhum dos dois).  Enfim, o futebol me persegue; já me perseguia no Brasil mas parece que aqui na Inglaterra é pior.


No Brasil, eu era tipicamente descrito como um típico São Paulino (antes que as piadas comecem, eu não sou efeminado e gosto de mulher; mas tenho camiseta rosa, merda). Depois da minha adolescência, futebol virou algo meio chato, o esforço de me manter atualizado no ‘quem é quem’, ‘que time ganhou de qual’ e ‘os melhores gols no milênio’ deu espaço à música, design gráfico, cinema e é claro, propaganda.


Minha falta de interesse aliada à minha incapacidade de lembrar nomes (o que me faz soar como um idiota em qualquer um dos assuntos acima) meio que colocaram o futebol numa caixa junto à todas as revistas de mulher pelada e camisetas de heavy metal que fizeram parte da minha adolescência. Amadurescimento? Não. Conveniência.


O problema de mudar pra outro país é que todo mundo tem uma imagem sua formada antes mesmo que você se apresente. No meu caso, eu sou brasileiro, logo jogo futebol bem pra c......, entendo muito do assunto, e por força do destino, me chamo Rodrigo (o mesmo se aplica ao Samba - mas eu não vou nem começar). Coitado dos gringos, que desilusão.


A verdade é que chega uma certa idade em que você aceita determinadas verdades e pára de brigar com a mãe natureza. Eu assumo que sou um lixo jogando e que eu não sei muito do assunto, mas não adianta, o estereótipo é mais forte. Eles acham que eu sou humilde, que estou escondendo o jogo, quando na verdade é o jogo que se escondeu de mim.


Para situação ficar ainda mais complicada, eu trabalho com Nike aqui na agência, o que significa não só falar de futebol, mas entender como o povo que gosta de futebol vive e criar coisas que eles achem bacanas. Em outras palavras, pra pagar as contas eu precisava fazer as pazes com o esporte.


Meu primeiro passo foi escolher um time. Não queria escolher o óbvio, porque a vida de sãopaulino me deu mais alegrias do que qualquer outro torcedor jamais sonhou. Bater no Milan, no Barcelona, no Liverpool e no Ajax não é pra qualquer um. Logo de cara descartei Manchester United, Arsenal, Chelsea e Liverpool. Eu queria um time de Londres, mas, mais do que isso, queria um time do Sul de Londres, que é  onde eu moro. Como opção, me restaram o Millwall e o Crystal Palace. O problema do Millwall é que se você olhar no dicionário o nome aparece como sinônimo de Hooligan. A última coisa que eu preciso é um olho roxo aos 31 anos por conta de um esporte que nem é o meu favorito (antes que você morra de curiosidade - que eu sei que você não está - meu esporte favorito é o ciclismo).


Enfim, me restou o Crystal Palace ou CPFC. Quase SPFC. Pronto, tava feita a escolha.


Antes disso, comprei um livro: Fever Pitch do Nick Hornby, que em português se chama Febre de Bola (versão Brasileira Herbert Richards). É bem legal, como todos os livros dele que eu já li. A história é sobre a obsessão dele com o Arsenal e como o time afeta a vida dele em todos os aspectos (o que de certa forma me deixou um pouco aliviado por não ter caído na armadilha de ser torcedor fanático). No último capítulo já tinha uma certa ideia de como as coisas funcionam por aqui e um vocabulário considerável pra usar nas minhas ideias.


Comprei ingresso pra ver o CPFC jogar contra o Leicester City e fiquei impressionado com três coisas. A primeira foi o meu luga. Nunca fiquei tão perto do campo em toda a minha vida. E, como as coisas aqui na Europa são ‘civilizadas’, não tinha nem alambrado: é você e o campo. E, sim, tiro de meta quer dizer que alguém acabou de levar uma bolada na cara na arquibancada.


Segunda coisa foi a trilha sonora. Esquece essa bobeira de É o tcham, Só pra contrariar e qualquer outro tipo de lobotomia musical. Aqui eles tocam rock, e dos bons. Ouvi Bob Dylan, Blur, The Clash e Velvet Underground enquanto a bola não estava rolando.


E finalmente o placar: ganhamos de 3x2, sendo que marcamos os 3 no primeiro tempo. Que tesão de jogo. Agora eu entendo porque tem uma porrada de nêgo que torce pra time de segunda ou terceira divisão; porque é legal pra caramba. Tanto, que já comprei ingressos para o meu próximo jogo.


Nesse meio tempo, estou tentando lembrar o nome e os números dos jogadores: um pesadelo. Já sei 6 de 11. Aí vai:


1 Speroni
2 Clyne
5 McCarthy (marcou um gol contra no jogo seguinte)
7 Ambrose
9 Lee
10 Dorman (não, esse é o 11)
16 Zaha


Hum, 7. Nada mau.


(No dia que eu escrevi esse texto O CPFC ainda não tinha perdido de 2x1 pro Ipswich Town, e nem o SPFC de 3x0 pro Corinthians. Que desgraça)



Rodrigo Lebrun, criativo na Wieden+Kennedy de Londres.
Mantém o blog Hi-fi Lo-fi quando dá tempo.
 
http://www.hifilofi.co.uk



 

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