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Conferência do Clima

Juventudes Negras e os destaques da COP26

12.11.21

A 26ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudança Climática, a COP26, chega ao fim em Glasgow (Escócia) dividindo opiniões. Se por um lado o primeiro-ministro do Reino Unido, Boris Johnson, declarou que os líderes mundiais precisavam se esforçar mais nas propostas de redução de emissões, por outro, o evento mostrou que a juventude tem um papel cada vez mais relevante no sentido de dar vozes a quem ainda está à margem nas discussões para melhorar a vida no planeta. E entre esses jovens havia mais ativistas negros e indígenas.

Durante a COP26, houve um dia para destacar a luta de mulheres pelo planeta. O presidente da conferência, o indiano Alok Sharma, comentou que gênero e clima estão profundamente interligados. Ele ressaltou que o impacto das transformações ambientais afeta mulheres e meninas de forma desproporcional, já que elas correspondem a 80% dos deslocados por desastres e mudanças climáticas no mundo.

Além disso, houve uma maior presença de empresas no evento oficial e nos encontros paralelos.

Para conferir de perto como seria esta conferência das Nações Unidas, um grupo de quatro jovens brasileiras negras e periféricas receberam o apoio de um time de empresas e entidades, entre elas, o Clube de Criação. Amanda Costa, Mahryan Sampaio (ambas de São Paulo), Ellen Monielle (de Natal) e Vitória Pinheiro (de Manaus) formaram a delegação do Perifa Sustentável, plataforma de compartilhamento de conteúdo sobre sustentabilidade para as periferias fundada por Amanda em 2019 (conheça mais do perfil delas e de seus propósitos na COP26 aqui).

Ao longo do evento, elas compartilharam momentos e visões por seus canais nas redes sociais em meio a uma atribulada agenda de atividades, inclusive compondo painéis. Como forma de divulgar a participação do grupo, utilizaram a hashtag #JuventudesNegrasnaCop26. Amanda e Mahryan, que são diretoras executivas do Perifa Sustentável, estiveram, por exemplo, em um café da manhã com CEOs de grandes companhias brasileiras – como Klabin, Neoenergia e Movida –, em um evento organizado pela Rede Brasil do Pacto Global.

No mesmo café, esteve a ativista indígena Txai Suruí, de 24 anos, primeira brasileira a fazer um discurso na abertura da conferência. Aliás, ela foi primeira ativista indígena do Brasil a ter esse espaço. Ela falou da ameaça que paira sobre os povos originários sobretudo diante dos desmandos da administração federal. Por conta de seu discurso, vem sofrendo ataques de ódio pelas redes.

O encontro entre Txai e as embaixadoras do Perifa Sustentável foi um dos que aconteceram pelos corredores da conferência, que teve dois pavilhões brasileiros: um do governo federal e outro formado pela sociedade civil. No segundo, era possível perceber a proposta de pluralidade em termos de gênero e etnia, como observaram alguns ativistas.

Com o encerramento da COP26. nesta sexta-feira, 12, Amanda faz a seguinte análise do evento: “A COP26 traz diversas interpretações. Na visão da sociedade civil, foi uma COP muito disruptiva. Teve uma das maiores delegações de jovens na história do Brasil, com mais de 80 pessoas. Teve pela primeira vez a presença do movimento negro, sendo representado pela Coalizão Negra por Direitos. E teve bastante presença indígena, com a PIB (Povos Indígenas no Brasil). Ao mesmo tempo, se a gente olha numa perspectiva mais formal, há um questionamento. Um dado diz que, de 12 mil pessoas cadastradas, apenas 36 tinham acesso a todas as salas. Será que essa inclusão se dá nos espaços estratégicos, nos espaços de tomada de decisão? Ou é apenas um lugar de visibilidade e manipulação? Acredito que isso pode trazer diversos questionamentos, mas uma parte não anula a outra. São importantes essas inclusões. E é importante levantar o debate. Um dos temas mais visíveis na COP foi o do racismo ambiental, que alguns anos atrás não era nem considerado. E esse ano já chega numa perspectiva mais assertiva, quebrando muros e furando bolhas. Também é importante pontuar que, nas negociações formais, o acordo que saiu foi fraco. Foi leve. Deixou margem para que poucas ações de fato sejam feitas. Cadê o financiamento climático, a justiça climática? Então, é importante considerar os avanços na perspectiva de gênero, de raça, mas é importante também que a gente entenda a burocracia e a formalidade dos acordos. Senão, é montada uma narrativa pela qual a gente acha que teve avanços, mas, na verdade, fomos usados para criar uma visão que não é realidade. Que fica só nos bastidores.

Confira abaixo alguns destaques feitos pela delegação do Perifa Sustentável, cuja participação na Conferência do Clima teve como apoiadores Côrtes e Cia, Clube de Criação, Escritório Daniel, Zentys Medical e Fundação Tide Setubal.

 

AMANDA COSTA

Ao participar do painel do Global Shaper Community, a comunidade de jovens do World Economic Forum, Amanda falou que a delegação do Perifa Sustentável estava participando da conferência para levar posições políticas, fazer parceiras a nível sul-sul e comunicar as discussões climáticas em Glasgow a partir de uma ótica periférica, feminista e do sul global. Já no penúltimo dia da COP26, ela compartilhou, via Stories, algumas de suas impressões da conferência. “A voz que impera é a do homem branco, chefe de empresa, político, diretor de ONG ou CEO de alguma startup inovadora. Eu represento algo contrário a isso: sou uma jovem mulher preta que luta contra um sistema que amplia as desigualdades, fere o meio ambiente e explora as pessoas que estão na base da pirâmide social” e ressaltou que em eventos como o da ONU leva sua voz como uma nova forma de construir o mundo.

Ao Clubeonline enviou quatro pontos que considera importantes a partir de sua participação na COP26:
1. Colocar jovens pretos em espaço de decisão;
2. Desenvolver projetos com comunidades locais;
3. Criar programas de educação ambiental com jovens de comunidade;
4. Aumentar a transparência nas ações relacionadas ao ESG.




ELLEN MONIELLE

Conhecida nas redes como EcoFada, Ellen contou que viu na COP26 que algumas empresas estão ouvindo quem está na base. “Estão mantendo conexão forte entre quem está no topo e quem está na base, quem está sofrendo impactos do aquecimento climático, quem está na luta de base pela sustentabilidade”, disse.

O segundo ponto que destaca é o cuidado com o greenwashing, com promessas vazias. “Tem empresa que está levando a sério da questão de ser sustentável, adotando realmente medidas (concretas). Não fica só no parecer sustentável, mas pensa em ser sustentável”.

Outro tema que ficou em evidência na conferência foram as tecnologias ligadas à transição energética (a passagem de uma matriz energética focada em combustíveis fósseis para uma com baixa ou zero emissões de carbono, baseada em fontes renováveis). De acordo com Ellen, houve muito debate a respeito do investimento no conceito. Um dos caminhos apontados é fazer com que essa transição seja incluída em políticas públicas.




MAHRYAN SAMPAIO

Com relação às discussões sobre a atuação das companhias nos pavilhões de diversos países, destacou a preocupação que as corporação devem ter com o desperdício. “Esse ponto é fundamental para todas as empresas, mas especificamente para aquelas que produzem bens de consumo. As empresas responsáveis por fornecer serviços podem aplicar essa lógica no setor de energia, por exemplo. Para isso, elas precisam revisitar seu processo produtivo e transacionar para uma economia circular. O que significa isso? Esse conceito passou a ser difundido por Ellen MacArthur, uma ex-velejadora que teve a missão de viajar o mundo em um barco com muito pouco. O que tiramos de importante dessa viagem? Ela tinha recursos finitos para sobreviver, e entendeu que a economia deve girar. Ou seja, precisamos que nosso consumo seja consciente (focado no necessário) e, se possível, não poluente e renovável. Hoje, ela tem a Ellen MacArthr Foundation. A grande inovação que a fundação traz é trabalhar com cidades e governos, ajudando-os a fazer a transição pra uma economia circular. Ok, mas por que uma empresa deveria se tornar circular? O que ela ganha reduzindo o desperdício? Além das práticas sustentáveis serem cada vez mais valorizadas pelos consumidores, reduzir desperdício faz a operação das empresas ser muito mais econômica e vantajosa. Eliminar desperdícios de matéria prima e energia é um benefício para as pessoas, para as empresas e para o planeta”, analisou.

Um segundo ponto apontado como highlight a partir do que Ellen observou da conferência é o investimento na transformação de produtos, “que é muito mais do que reciclagem. Muito mais!”, salientou.

Adotar a lógica da economia circular em uma empresa não significa que não vai haver desperdício nunca. É por isso que, para muito além da reutilização, a ‘reciclagem’ é tão importante. Mais do que colocar lixeiras coloridas no corredor de uma empresa ou fábrica (totalmente necessário), temos de pensar a reciclagem como uma ação que pode ter diversas ramificações:
- A mais tradicional: o material reciclável pode ser direcionado para o processo comum, que é a coleta seletiva.
- A mais filantrópica: o material reciclável pode ser a porta de entrada para que uma empresa passe a colaborar com um projeto social, a custo zero. Como? Vou exemplificar. Eu faço parte de um projeto social que junta lacres de alumínio das latinhas e troca por cadeira de rodas. Temos de encher várias garrafas pet gigantescas com vários lacres. Na primeira vez em que ouvi sobre o projeto, a primeira coisa que me veio à cabeça foi o senso de coletividade. O meu lacre sozinho não muda a vida de uma pessoa, ao mesmo tempo em que não posso carregar tudo sozinha e beber todas as latinhas de refri do mundo. Mas posso mobilizar para que outras pessoas se juntem a mim e a gente consiga viabilizar isso através da ação coletiva. Eu enxergo práticas assim muito vantajosas para serem desenvolvidas em uma empresa, porque me remete às dinâmicas de time e porque a importância de cada funcionário é gigantesca. É preciso acreditar que a ação de cada um importa, porque realmente importa.
- A mais inovadora: material reciclável pode ser incorporado nos próprios produtos que serão comercializados, como quando a Nike produz tênis com plástico que foi jogado no mar. Mas você não precisa ser a Nike para incorporar o material reciclável como um produto. Também é possível colaborar com outros projetos socioambientais para que isso seja transformado em móveis, cadeiras ou outros materiais. Reciclagem é mais do que lixeiras coloridas.”

Ellen indicou mais um ponto merecedor de atenção: parcerias multissetoriais pelo clima. “As possibilidades são muitas! Quando o ativista climático pensa em empresa, sabe a primeira coisa que vem à cabeça? Companhias gigantescas que são grandes extrativistas, e ao mesmo tempo, são as mais poluidoras. Mas essa não é a regra, e é preciso entender isso. Como as pequenas empresas podem ajudar a combater a crise climática que vivemos hoje? Boa gestão e cultura fazem toda diferença. Mas as parcerias multissetoriais são imprescindíveis.

Algumas possibilidades:
- Empresas podem atuar como financiadoras. Isto é, investir em projetos da sociedade civil que vão executar práticas sustentáveis.
- Empresas podem ser uma colaboradora: companhias grandes ou que possuem funcionários ligados fortemente à cultura da empresa podem atuar como vetores de transformação de alguma iniciativa, como doadores e voluntários. Em alguns casos, o que a corporação produz pode ser fornecido para algum projeto. Além disso, ela pode atuar tanto como “só” financiadora (ou seja, dar o dinheiro e deixar que as ONGs e associações façam o trabalho) ou pode cocriar com projetos já existentes.”

Outro ponto que Ellen apresentou como destaque se refere às ações no cálculo das emissões de carbono. “Muitas empresas podem não gostar de ouvir, mas incentivar o trabalho remoto é bem mais sustentável. Uma companhia com 100 funcionários tem 100 pessoas se deslocando por dia, indo e voltando de suas casas, cinco dias por semana. Elas podem ir de transporte público (emissão mais consciente), de carro (muita emissão se não for elétrico, o que é raridade) ou de bicicleta, que quase ninguém vai (as vezes é possível, as vezes é quase inviável). Pensando nas ações da sociedade civil, o transporte na zona urbana é uma das maiores fontes de poluição. Fazer a aquisição de produtos com maior eficiência energética (que podem ser mais caros, mas compensam no final) também funciona. Assim como substituir o uso de mil copinhos descartáveis...”




VITÓRIA PINHEIRO

Jovem trans afroindigena, nascida e crescida na periferia de Manaus, Vitória comentou que muito se falou da importância de empresas e outras organizações se engajarem na luta para evitar o agravamento da crise climáticaentendendo que todos nós temos um papel enquanto sociedade contra isso”. Segundo ela, na COP26 o investimento privado para a justiça climática foi um assunto recorrente.

Outro ponto para o qual chamou atenção foi sobre a diversidade e inclusão. “A gente sabe que as pessoas negras, indígenas e LGBTQIA+ serão as mais afetadas pelas transformações climáticas. Então, como a gente consegue fazer com que diversidade e inclusão sejam também uma pauta do debate? Empresas têm esse papel. Não se trata só de fornecer um local que seja ambientalmente mais justo. Elas têm de fornecer meios para que as pessoas tenham acesso à justiça social, a trabalho digno, a oportunidades de crescimento, independentemente do status social ou da escolaridade. Isso inclui o fortalecimento dos empregos verdes (aqueles que contribuem para reduzir as emissões de carbono e que envolvem atividades sustentáveis ou que ajudam na preservação do meio ambiente). Também envolve estender isso de forma mais ampla, não apenas limitando ao setor ambiental. Empregos verdes estão também no trabalho social, nos cuidados com a saúde”.

A respeito de tecnologias, Vitória fez menção a inovações que sejam realmente palpáveis. “A gente tem visto muitas coisas ligadas ao conceito de net zero como sistemas de energia a hidrogênio. Há coisas que não são palpáveis para a maioria dos países, como o Brasil. Essa transição energética não é palpável para a gente, nesse sentido. A gente tem de pensar tecnologias que sejam aplicáveis no mundo real. Às vezes, as tecnologias que podem ser aplicadas no nosso mundo são muito mais para impacto social. Como formas de aumentar a entrega de serviços, por exemplo. Caso de saneamento e esgoto”, ponderou.

Ainda referente a net zero, Vitória comentou sobre o potencial de transformação de comunidades. Projetos feitos em nível local podem cumprir esse propósito. “Em vez de reflorestamento, uma empresa pode construir um jardim ou uma horta comunitária em sua região. Isso constitui um impacto muito grande e palpável para a comunidade. E é uma forma de reduzir a pegada de carbono, de atingir esse net zero”, completou.

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