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Emergência Climática – Parte 3

Medir emissões geradas pela atividade publicitária é uma prática?

22.04.24

"Não basta ter uma calculadora de emissões de carbono"

Para enfrentar a crise climática que vivemos hoje, é preciso promover mudanças significativas no cotidiano das empresas.

Portanto, é importante que discursos e posicionamentos estejam atrelados a um conjunto de ações, especialmente se estas forem certificadas.

No entanto, a adoção de uma ferramenta, a inserção em um programa ou a contratação de parceiros especializados não é uma realidade comum no mercado brasileiro das agências, como mostram as respostas dadas à série “Emergência Climática”.

O Clubeonline procurou 42 agências para discutir o tema e apenas 12 aceitaram responder às questões propostas pela reportagem. Também foram acionadas 2 agências abertas por criativos brasileiros, que atuam com a comunicação voltada para a agenda ESG. Elas atenderam ao chamado prontamente (veja na primeira parte desta reportagem especial aqui).

Ao longo dos próximos dias, traremos mais respostas das agências, divididas em tópicos.

Desta vez, o foco está na incorporação de ferramentas ou programas para medir e reduzir as emissões geradas pela atividade publicitária (incluindo a produção de campanhas) e na parceria com empresas especializadas, para auxiliar no planejamento de campanhas e ações sobre o tema.

Entre as práticas seguidas pelas agências, a mais frequente envolve a relação com fornecedores, sobretudo as produtoras. “Tanto na produção de campanhas quanto na conscientização do time, privilegiamos parceiros que executem práticas semelhantes em suas empresas. Esse tem de ser um ciclo virtuoso obrigatório, pois o tempo joga contra todos nós”, afirmou Marcelo Reis, sócio da Troup / Cyranos.

O cuidado também foi apontado por Icaro Doria, copresidente e CCO da DM9. “Trabalhamos com produtoras que calculam o impacto da produção, e isso faz parte de como escolhemos parceiros”, contou.

Márcio Oliveira, managing director da R/GA, respondeu que a agência não utiliza nenhuma ferramenta para medir o impacto das emissões de CO2, mas que adota uma série de medidas que se intensificaram no pós pandemia. Ele mencionou o trabalho híbrido, que possibilitou, em um primeiro momento, que a empresa diminuísse o escritório e, depois, levou a R/GA a escolher um co-working, “que possui políticas claras de sustentabilidade”. Em seguida, a agência avaliou quem preferia atuar de modo presencial. “Montamos um espaço do tamanho dessa demanda. Isso por si só reduz gastos com energia, ar condicionado, transporte, materiais de limpeza etc. Parece pequeno, mas não é. Todas as atitudes contam”. Outra medida que ele mencionou foi o uso de IA no trabalho porque “pode facilitar, automatizar muitos processos, inclusive na produção publicitária. Hoje, é possível montar uma reunião de pré-produção de filme inteira em IA”, emendou. Ou seja, não há a necessidade de alugar espaços, visitar locações, “fazer um casting gigante que consome muito em energia, ar condicionado, locação, desperdício de alimentos”.

Ricardo Forli, sócio da Monkey-land, revelou que nenhum programa destinado a medir emissões de carbono foi incorporado na agência, mas que “isso deve acontecer ainda em 2024, junto com outros compromissos internos que adotaremos”. Uma medida voltada para a sustentabilidade foi a contratação de uma palestra do escritor, ativista e professor Daniel Munduruku, com o objetivo de conhecer a visão dos povos originários sobre o tema.

A Paim United Creators também não dispõe de programa específico, porém entende que essa é uma necessidade latente, nas palavras de Mateus Pagot Gobbi, head de cultura e pessoas. A agência não tem parceiros externos específicos, mas lembrou que tem em casa alguns profissionais especializados em sustentabilidade: Cacá Camargo, planner e doutora em design, com pesquisa e experiência em projetos de sustentabilidade, e Emily Muller, redatora e especialista em moda e sustentabilidade.

Juliana Nascimento, managing director da FCB/SIX, por sua vez, disse que existem iniciativas sendo produzidas para alguns clientes - uma parte será lançada ainda neste primeiro semestre. Ela mencionou um projeto feito para a Tegra Incorporadora, para quem criaram a “Noise Neutral”, plataforma colaborativa para promover a discussão e o desenvolvimento de soluções para reduzir a poluição sonora nas grandes cidades. “É fundamental contar com parceiros sérios e especializados nos temas relacionados à sustentabilidade. Como publicitários, não temos o conhecimento técnico profundo necessário para desenvolver um projeto. No caso de ‘Noise Neutral’, contamos com a colaboração da Bracústica, consultoria especializada nas áreas de edificação, industrial e meio ambiente”.

Compromissos certificados

Com a intenção de cuidar de toda a cadeia, a AKQA procura influenciar clientes e fornecedores a terem compromissos no ciclo de produção sustentável, como selos de sustentabilidade, salientou Paula Santana, head de projetos especiais. Entre eles estão Carbono free (certificado de neutralização fornecido por empresas especializadas em crédito de carbono, através do programa de gestão e compensação de gases de efeito estufa) e Resíduo Zero (materiais e resíduos sólidos gerados durante a produção são coletados e reincorporados à cadeia produtiva). Paula declarou que a AKQA segue também compromissos de set sustentável. Isso quer dizer desde o uso de copos não descartáveis a bebedouros com galão de água no local, produtos biodegradáveis (limpeza, beleza e embalagens) e cuidados com quantidade de comida no catering, para diminuir desperdício, além de ter soluções para a sobra. “Na cenografia, fazemos uso de materiais mais ecológicos, reciclados, e diminuímos a quantidade de figurinos produzidos. Nos contratos de produção e elenco, buscamos utilizar plataformas digitais para evitar impressão”, enumerou. Eccaplan e Carbonext são os principais parceiros da AKQA nessa jornada.

Na Africa Creative, há uma rede de parceiros especializados, para ajudar no desenvolvimento de projetos e estratégias para as ações da agência e de clientes. “Ao longo dos últimos seis anos, trabalhamos em conjunto com entidades como Observatório do Clima, MapBiomas, Apib (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil), Conservação Internacional (CI) e Amazon Watch. Cada uma dessas parcerias nos ajuda não apenas a entender melhor a emergência climática, mas também a traduzir isso para nossos clientes e o público em geral”, afirmou o sócio e copresidente Marcio Santoro. “Nosso objetivo é construir uma população crítica, que não só compreenda a urgência do tema, mas também exija mudanças, incentivando ações imediatas para enfrentar os desafios ambientais”. Ele observou que ainda estão “explorando possibilidades e conversando com alguns parceiros sobre como medir e reduzir o impacto das campanhas e produções”. Porém, Santoro acredita que o maior poder da agência está na capacidade de comunicar e evidenciar questões importantes, que ainda são mal compreendidas. Segundo ele, a Africa trabalha com insights valiosos para “inspirar a criatividade em novas campanhas e ferramentas que auxiliem na monitoração de nossas práticas”.

Contratada pela AlmapBBDO no ano passado, a Regen Ecossistemas é uma climatech brasileira focada na diminuição da pegada de carbono por meio do reflorestamento. Ela fez o cálculo relativo a todo o CO2 emitido pela agência em 2022: combustível, energia elétrica, viagens a negócio, resíduos e efluentes. A climatech converte os dados em um determinado número de árvores para serem plantadas. “O primeiro plantio foi realizado pelos colaboradores da agência, em uma área de reflorestamento de Mata Atlântica na Serra do Japi, em Jundiaí (SP), resultando em 1.025 novas mudas, equivalentes a 214,55 toneladas de CO2 emitidas no ano anterior”, explicou Filipe Bartholomeu, sócio-presidente e CEO da empresa. A tecnologia usada pela Regen possibilita colocar em prática a metodologia de “acelerar a floresta” em larga escala e garantir a sobrevivência de 99% das espécies plantadas. “Além disso, todas as árvores incluem um QR Code para acompanhamento, tornando possível publicar os indicadores de sequestro de carbono e mostrar as nascentes regeneradas, que passarão a produzir água limpa para o país”, acrescentou. De acordo com Bartholomeu, o foco é estabelecer metas, ações e parcerias de longo prazo, caso da Regen, para que a agência avance na agenda de desenvolvimento sustentável.O objetivo é aprimorar nossos métodos de governança corporativa, reforçando o cuidado permanente da empresa aos princípios ESG, para redução de emissões de carbono, eficiência energética, gestão de resíduos e iniciativas de reflorestamento, pensando em todo um ecossistema mais amplo, que envolva também os nossos parceiros”, ressaltou.

Falando principalmente dos projetos realizados no Rock in Rio, um dos festivais ligados ao Grupo Dreamers, Gláucia Montanha, CEO da Artplan São Paulo, afirmou que a companhia busca implementar ações que reduzam o impacto ambiental, priorizando os fornecedores que estejam conectados com esse propósito. “Provocamos sempre, também, iniciativas internas e de sustentabilidade nas empresas que fazem parte de nosso ecossistema”. No Rock in Rio 2022, última edição do evento - mais de 250 toneladas de resíduos foram separados durante os sete dias do festival. Esse material foi encaminhado para reciclagem. Segundo o grupo, o número supera o peso do aço utilizado na cenografia do palco Mundo. Feita em colaboração com marcas parceiras (Companhia Municipal de Limpeza Urbana; Heineken; Coca-Cola; Natura; Gerdau e Braskem; mais os institutos sociais Voz da Comunidade e ONG da Cidadania, entre outros), a ação resultou na reciclagem de 89% dos copos plásticos usados no RiR. Outro dado divulgado é que a energia elétrica economizada apenas com a reciclagem do plástico nos dias de show foi superior a 1.626 MWh. Com a colaboração entre as marcas e diversos atores da cadeia, a iniciativa garantiu que os copos de plástico descartados fossem transformados em resinas recicladas e depois em embalagens de produtos Natura. Além de gerar renda aos catadores e cooperativas envolvidos, a iniciativa reduziu o impacto ambiental da geração de resíduos do evento. Até 2030, o Rock in Rio tem a meta de ser “lixo zero”, em todas as edições do evento, além de eliminar o desperdício alimentar. O objetivo declarado do festival é ser zero resíduos em aterros até 2030.

Parcerias globais e locais

Karina Ribeiro, CEO da VML, pontuou que o Grupo WPP, do qual a agência faz parte, trabalha para reduzir as emissões de carbono desde 2006. Em 2021, a VML estabeleceu metas de curto prazo, com base científica, para zerar as emissões em suas operações até 2025 e, em toda a cadeia, até 2030.Como parte desse movimento, vem ocorrendo uma verdadeira transformação nos ambientes de trabalho do WPP ao redor do mundo. O projeto inclui a mudança de 100 mil colaboradores da rede para 65 novos campi, pensados e construídos ao redor do planeta de acordo com metas sustentáveis”. A VML é uma das agências que estará no WPP Campus São Paulo a partir de 2025. O espaço terá painéis solares e energia verde. “Mas antes de migrarmos para lá, já tomamos inúmeras medidas no dia a dia em prol da sustentabilidade. Entre elas, a substituição de itens descartáveis por outros de longa duração, a redução do número de impressões (e de impressoras) e a disponibilização de vagas para carros elétricos. Na área de produção, trabalhamos com protocolos para certificação Carbono Neutro para alguns projetos”, detalhou. A respeito de parcerias, Karina comentou que, ano passado, ocorreu um treinamento da Manuia, consultoria especializada em ESG. “A partir daí, começamos a desenvolver uma agenda mais voltada para a questão ambiental”. Ela destacou que o WPP é signatário do Pacto Global da ONU e possui certificações que valem para todas as suas agências.

Luiza Portella, diretora de estratégia, responsável pela implementação das ações de sustentabilidade na WMcCann, contou que, por causa do programa NetZero, que visa zerar as emissões de carbono até 2030, a agência busca parceiros globais e regionais para colocar o plano em prática. Um deles é a AdGreen, empresa de consultoria que desenvolveu uma ferramenta para calcular o impacto no meio ambiente. “Essa ferramenta visa medir a eficiência das ações de descarbonização corporativa, a partir de parâmetros indicados por parceiros, como o Green The Bid, Trace by Isla, Good Planet e Pinwheel”, esclareceu. Nas diretrizes de Produção Responsável, documento desenvolvido internamente a partir das práticas do Green Production Guide, há um detalhamento sobre o tema. Segundo ela, um dos destaques é a preferência por fornecedores com certificação B, FSC ou PEFC, a implementação de servidores na nuvem (para redução de uso de energia elétrica nos processos de produção digital), além de criação e redesenho de workflows (em parceria com a Microsoft e Azure Sustainability). O uso de novas tecnologias, como a produção virtual, também é uma sugestão. “O McCann Worldgroup também assinou parceria com a VuStudio, nos Estados Unidos, uma das primeiras fornecedoras de produção virtual naquele país”, acrescentou. Sobre a participação de empresas ou instituições especializadas no planejamento de campanhas e projetos, Luiza disse que a WMcCann é signatária do Pacto Global das Nações Unidas e tem parcerias com várias organizações, tanto para desenvolver ações corporativas como para auxiliar os clientes a se apropriarem dessa temática “de maneira responsável e consciente”, seguindo diretrizes anti-greenwashing. “Também fazemos parte da Ad Net Zero, coalizão entre agências de publicidade, que tem como objetivo mudar o comportamento do consumidor incorporando mensagens de sustentabilidade na propaganda”, emendou.

Recomendações das especializadas

Não basta ter uma calculadora de emissões de carbono, salientou Tomás Correa, fundador e CCO da Felicidade Collective. “É preciso olhar para toda a cadeia. Que vai desde a operação do escritório ao lixo gerado; de viagens, eventos, merchandising, ponto de venda, embalagem, criação de assets a campanhas em si, trabalho com influenciadores e por aí vai. Tudo tem um impacto”. Correa afirmou que a agência tem parcerias e segue o o modelo desenvolvido pela Ad Net Zero, a iniciativa da Associação de Publicidade do Reino Unido para gerenciar e reduzir a pegada de carbono de agências, produção e veiculação de publicidade. Ele comentou que o mercado “aceita a alta taxa de desperdício que existe no setor.Estamos falando do subaproveitamento de assets, produção, material publicitário e eficiência de mídia. Desperdiçamos muito em termos de carbono e dinheiro”, disse. Ele faz referência a um estudo, Programmatic Media Supply Chain Transparency, da Association of National Advertisers (ANA), que revelou que apenas 36 centavos de cada dólar que entra em uma DSP chegam efetivamente ao consumidor. Ou seja, “dos US$ 88 bilhões em gastos com a web aberta, cerca de US$ 22 bilhões são desperdiçados ou improdutivos”. E, em suas palavras, isso não só é desperdício de dinheiro, mas também de carbono. O bom é que já existem estudos complementares que nos dão pistas de como deixar essa relação mais eficiente. Somado a esse pensamento está o marketing brainprint, termo cada vez mais comum na Europa. Trata-se dos impactos psicológicos, sociológicos e culturais que as estratégias e decisões de marca, marketing e criatividade têm na vida das pessoas. O que pode ser positivo ou negativo. Está relacionado às histórias que contamos e como elas podem levar o comportamento de consumo a ter uma pegada maior ou menor”, explicou.

Tudo pode soar muito desafiador, porém um caminho que pode ser percorrido pelas agências é ir além do discurso, estabelecer boas parcerias, saber como avaliar as medidas adotadas e obter resultados que façam a diferença.

Rui Branquinho, cofundador e CCO da GiveBack, contou que todos os projetos em que a agência se envolve têm resultados mensuráveis claros e determinados, desde o início. “Se já houver algum método de medição utilizado pela marca, submetemos o mesmo a uma ONG ou especialista que chamamos para o projeto para validação.Em alguns casos, surge uma recomendação de um novo método de avaliação de resultados indicado pelo especialista”.

Leia também na série Emergência Climática: "Clubeonline ouviu as agências sobre o tema" e "Pelo amor ou pela dor, o mercado precisa mudar e enfrentar essa crise".

Emergência Climática – Parte 3

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