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Festival do Clube 2021

Nick & Nadja: 'criatividade para trabalhar por um mundo melhor'

24.09.21

Os sul-africanos Nickolas Hulley e Nadja Lossgott trabalham como dupla criativa há 15 anos. Ela, diretora de arte. Ele, redator. Há 10 anos, Nick & Nadja, ou ainda N&N, vivem em Londres e trabalham na AMV BBDO. Se tornaram ECDs da agência seis meses antes do início da pandemia, que mudou todas as perspectivas nas relações de trabalho, misturando completamente o ambiente pessoal com o profissional, além de incluir na bagagem humana uma dose considerável de ansiedade e necessidade de reinvenção. E foi neste cenário que a dupla transformou a AMV BBDO na agência mais premiada de 2021. Reconhecendo, claro, todos os privilégios pessoais e o talento e ousadia das pessoas que fazem parte de seus times na agência e nos clientes.

No painel “London Calling”, que encerrou a primeira noite do Festival do Clube 2021, eles conversaram com o diretor de criação da AlmapBBDO, Daniel Oksenberg, sobre valores e estratégias para chegar a trabalhos que se destacaram criativamente ao longo das últimas décadas, como "Womb Stories", "Blood Normal", "The Trash Isles", e "The Zimbabwean Newspaper - Trillion Dollar Campaign".

A amizade veio antes da parceria profissional e da mudança para o Reino Unido e continua sendo um ingrediente importante na trajetória de sucesso da dupla. Eles também trouxeram da África do Sul, um país que, como bem lembrou Oksenberg, “assemelha-se ao Brasil na disparidade social”, o instinto de colaboração. “Colocamos nossa criatividade para trabalhar por um mundo melhor”, diz Nick.

Mesmo tendo desejado a carreira internacional, eles sentiram as dificuldades de mudar de país, cultura, emprego e até temperatura. Em dezembro de 2010 saíram de um calor de 35 graus em Joanesburgo para o inverno londrino. “Não tínhamos nem roupa ou sapato para aquele frio”, diz Nadja. E mesmo tendo na bagagem a já premiada e corajosa campanha contra o sistema opressor do Zimbábue, "Trillion Dollar" para o The Zimbabwean Newspaper, que utilizou notas reais de dinheiro como papel (veja aqui), a dupla passou os dois primeiros anos com a sensação de não estar à altura das vagas que tinham conquistado. Algo como a “síndrome do impostor”, da qual muito se fala hoje em dia.

Tudo isso ajudou Nick e Nadja a construírem valores como a empatia, a autenticidade e a decisão de não fingirem que têm todas as respostas, permitindo que coisas interessantes surjam daí. “Seja gentil, principalmente se você vier para o Reino Unido, onde valorizam muito isso”, aconselha Nick para os interessados na expatriação. Para Nadja, é importante não ter medo de se destacar. “Trabalhando em outro país, você será diferente. E é ótimo não saber tudo o que está fazendo porque você tem a chance de trazer o novo, algo que quem já estava ali não poderia trazer”.

Quando falam dos brasileiros com os quais já trabalharam, citam como qualidades que se destacam a generosidade e a emoção que é quase poética em suas ideias. Questionado por Oksenberg sobre algo que os brasileiros poderiam melhorar, Nick sugere que se aprofundem mais nas ideias que acreditam e se preocupem menos em bombardear os diretores com centenas de ideias.

Encarar todo trabalho como uma oportunidade também é uma boa dica para quem quer construir uma carreira de sucesso. N&N se lembram de um briefing que ninguém queria fazer, de um packshot para Guinness, que acabou virando uma campanha que está rodando até hoje (veja aqui). “Ficamos muito gratos pela oportunidade de trabalhar para a marca e esse trabalho abriu as portas com o diretor de Guinness para fazermos Sapeurs”, conta Nadja.

"Sapeurs" (veja aqui), de 2014, mostra a "Society of Elegant Persons of the Congo", grupo de homens elegantes que traz esperança e inspiração para uma cidade devastada pela guerra. “Passamos um tempo nos questionando como as pessoas faziam aquilo e percebemos que elas são assim, trazem a perspectiva de que é sua escolha como viver a sua vida, não importa onde você esteja”, conta Nick. Ele lembra que tiveram todo o apoio do diretor de marketing Stephen O’Kelly antes mesmo de terem o roteiro pronto. Isso fez toda a diferença e permitiu romper regras como incluir apenas personagens reais, sem atores.

Sobre o case "Trash Isles", para a Plastic Oceans Foundation & Lad Bible, a dupla lembra que foi um processo de manter os olhos no objetivo final, mas se desapegar do controle total, abrindo espaço para ideias vindas de todas as pessoas envolvidas. Outra quebra de paradigma foi que a fantasia de um país de lixo, criado com requintes de realidade, pudesse transformar a realidade e conscientizar sobre o lixo jogado nos oceanos.

Oksenberg perguntou sobre a abertura de clientes como Bodyform/Libresse, da Essity, para o qual a dupla fez dois trabalhos ousados recentemente: "Blood Normal", que defende a desmistificação da menstruação a partir da normalização do sangue menstrual na comunicação, e tem na ficha os brasileiros Caio Giannella e Diego de Oliveira; e "Womb Stories", de 2021, que revela histórias de dentro do útero que acontecem todos os dias.

Nadja lembra do processo de "Blood Normal". “Enquanto pessoas diziam que era nojento e uma loucura, a agência e marca decidiram assumir que não dava para continuar no eufemismo de falar de menstruação sem mostrar sangue. A marca estava pronta para isso”.

Já "Womb Stories" foi parte do processo de rebrand que colocou a marca com um olhar mais holístico, indo muito além da menstruação para uma abordagem quase terapêutica da arte da antropomorfização, segundo a criativa. “Trouxemos a interpretação das pessoas sobre o aborto, perdas, o amor. Estávamos lidando com temas que as pessoas não falam sobre”.

Para Nick, talvez o momento mais introspectivo que a pandemia trouxe, pode ter ampliado a percepção das mensagens.

Pelo menos no Brasil, os clientes não apostam em campanhas que não tenham filme ou peças maiores”, ressaltou Oksenberg, ao perguntar qual a estratégia para convencer um anunciante a investir em uma boia em formato de absorvente ou em um país feito de lixo. “Quando somos coerentes, temos mais chance de sermos bem sucedidos. Mas não acontece o tempo todo”, respondeu Nick.

O diretor de criação da AlmapBBDO e mediador da conversa perguntou que outros trabalhos menos famosos cada um deles mais gostava no portfólio. Nadja citou "Whatever It Takes", para o Macmillan, que mostra o heroico trabalho de enfermeiros e enfermeiras trabalhando o tratamento paliativo de pacientes com câncer. Nick destacou o podcast "Code: Severe", que fez para a polícia metropolitana de Londres.

Quando olham para o início da carreira, da perspectiva de hoje, Nick e Nadja percebem que eram mais divertidos antigamente. E contam que desde sempre pensavam em como era importante ter seus líderes ao lado, nas trincheiras. “Tentamos trazer as qualidades que gostávamos quando éramos jovens para os dias atuais. Nem sempre conseguimos, mas tentamos”, diz Nadja.

E se pudessem dar um conselho para N&N de 15 anos atrás, seria: "preocupe-se menos com coisas pequenas e poupe ansiedade."

Rita Durigan

Leia anterior, aqui.

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