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Quarentena em LA

Beto Fernandez: a pandemia nos faz ver os valores da humanidade

08.04.20

Os dias de confinamento têm transformado as agendas dos líderes de agências. Há muita discussão e análises acontecendo entre telas. Muitos planejamentos sendo refeitos de projetos que deveriam ser deflagrados agora, se não houvesse uma pandemia. Assim tem sido a rotina de Roberto Fernandez, o Beto, sócio da Activista, agência vinculada à Anomaly, mas que tem clientes próprios.

Lançada em julho de 2018, a empresa tem como mote promover mudanças sociais, econômicas e culturais por meio de ideias. A Activista não é só uma “agência de causas”, embora essa seja uma grande frente. Entre seus projetos estão “Same Team Jersey” (que abordou tolerância e diversidade na época da Copa do Mundo da Rússia) e “United States and Oceans of America”, para a Surfrider Foundation (ação de conscientização pela necessidade de cuidar dos oceanos).

Junto com Paco Conde – parceria estabelecida desde os tempos de Ogilvy e que seguiu para a BBH de Londres e depois para a Anomaly -, Beto conduz a Activista em um modelo que se adaptou rapidamente a esta época de pandemia. A estrutura é enxuta. Em função do projeto, são convocados outros profissionais. E isso dá a agência mais chances de resistir aos efeitos do coronavírus sobre o mercado.

A vocação da Activista permite que Beto seja mais otimista quanto ao ano – embora ele esteja comprometido. Ele acredita em uma leve recuperação a partir do segundo semestre. Uma das reflexões que faz a respeito deste momento que vivemos é que as agências podem repensar seus modelos. Além disso, sustentabilidade e mudanças climáticas ganham senso de urgência. É tempo de perguntar qual o impacto real das ideias propostas para melhorar o mundo.

O Clubeonline tem ouvido profissionais que moram fora do Brasil para que falem sobre a pandemia e seus impactos sobre a economia, a indústria e a vida das pessoas.

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CLUBEONLINE – Como você e o Paco começaram a Activista?
BETO FERNANDEZ – A Activista faz parte da rede Anomaly. Eu e o Paco estávamos na BBH de Londres quando mudamos para lá. Há dois anos, os fundadores nos convidaram para uma proposta de agência que está focada em projetos especiais. Eu e o Paco somos sócios, e também os fundadores da Anomaly.

CLUBEONLINE – Antes do coronavírus, como estavam os negócios?
BETO – Nosso modelo de negócios não compete com o das agências. Pensando nas mudanças que aconteciam no mercado, decidimos trabalhar com parceiros. Recebemos por projeto. A operação é bastante enxuta. Somos eu, o Paco, uma pessoa de operações e agora estamos buscando um business leader. Toda vez que entra um projeto, fechamos com parceiros. Por isso, como nossa estrutura é enxuta, nosso modelo de negócios já estava adaptado para este momento. Além disso, nosso trabalho não precisa de investimento de mídia. Não dependemos disso. Temos um escritório em Los Angeles e estávamos planejando ir para um maior, o que adiamos já que não sabemos quanto tempo vai levar para o mercado se recuperar. Talvez seja necessário um, dois meses.

CLUBEONLINE – Projetos da Activista demandam mais tempo do que uma campanha comum?
BETO – Um dos nossos projetos está sendo tocado há quase seis meses. Ele teria de ser lançado no final de abril, mas estamos tentando realocar para frente. Neste momento, as marcas estão tomando cuidado para não parecerem oportunistas. Estamos tocando quatro projetos. Um deles é para o final do ano e está sob controle, mas o timing mudou. É preciso entender a realidade dos clientes. Hoje, a prioridade é administrar a crise.

CLUBEONLINE – Os negócios estão administráveis?
BETO – Temos feito várias reuniões para equacionar as decisões. Pelo lado financeiro, nosso impacto é menor, exatamente pela nossa estrutura e nosso modelo. Os números se tornam mais fáceis de administrar. Algumas agências estão perdendo cliente ou estão negociando fee. Agora há uma parada geral.

CLUBEONLINE – Desde quando vocês estão no isolamento social?
BETO – Estamos há praticamente quatro semanas fazendo quarentena. A escola fechou, mas três dias antes disso a gente já tinha decidido deixar meu filho em casa, sem ir pra escola. A gente vinha lendo as notícias. Nos EUA, são os estados que tomam as atitudes. A Califórnia está parada há três semanas. Aqui tem multa de US$ 1 mil para quem não respeita as medidas. Há duas semanas não se pode ocupar os espaços públicos. Pode circular de carro ou andar rápido até um supermercado, mas a circulação não está acontecendo. A vida exterior não existe mais. Em Nova York, em que há uma concentração maior de pessoas e tudo é feito de metrô, houve um impacto muito maior. Los Angeles é muito espalhada e as pessoas andam de carro. Por isso, quando Nova York reagiu – e eles demoraram para isso –, já era muita gente que teve contato.

CLUBEONLINE – O que esperar do ano? Está perdido?
BETO – A avaliação que o ano acabou é a mais recorrente. A gente tem ouvido nos EUA e também no Brasil. Cannes foi cancelada, os Jogos Olímpicos também, campeonatos de futebol estão parados. É muita coisa que tinha muito dinheiro envolvido. E isso tudo é sinal de que o ano está profundamente afetado. Mas estamos tentando manter um viés otimista. Acreditamos numa leve reconstrução no terceiro trimestre. E no quarto uma reviravolta. Somos Activistas e a tendência é sermos mais otimistas. Mas os sinais gerais dados pelo marketing mostram que, se o ano não acabou, ele está bem comprometido.

CLUBEONLINE – Na sua análise pessoal, o que vai resultar da pandemia?
BETO – Espero que a gente saia melhor disso. Há comparações com a peste negra, com a gripe espanhola. Mas eram épocas muito precárias. Hoje, a pandemia nos ensina a ver onde estão os valores da humanidade. Tenho a sensação de que sustentabilidade e mudanças climáticas serão assuntos mais relevantes. As ameaças ao planeta serão levadas mais a sério. A preocupação com o capital vai desaparecer diante de valores que tem dimensões maiores. A gente vai olhar mais para valores humanos. Isso vai afetar a comunicação. As marcas já estão fazendo coisas para causas, mas haverá um senso maior de urgência. Muitas entram nesses assuntos com promessas para o futuro. Mas agora é preciso urgência.

CLUBEONLINE – Como o mercado deve se comportar?
BETO – Apesar de estarmos todos chocados com a crise, este é um momento para as agências pensarem em implementar outros modelos. Para que sejam relevantes na indústria. Muitas marcas estão sem saber o que fazer. Às vezes, elas procuram se apropriar de um assunto que está bombando. Mas a gente costuma pontuar duas coisas que são importantes: é preciso ter relevância e coerência e é preciso analisar qual o impacto real das ideias propostas. O que elas vão trazer de melhorias? A gente tem de avaliar se as ideias terão impacto real ou se elas apenas são mais do mesmo.

Lena Castellón

Quarentena em LA

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