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Spcine + Clube de Criação

Debate aponta os entraves de voltar a filmar

05.06.20

O mercado quer voltar a filmar. Isso é certo. Quando retomar a atividade já não é algo tão consensual – hoje o risco de contágio por covid-19 está em fase aguda no Brasil, apontam especialistas em saúde. Há quem defenda esperar mais e há quem sustente que a hora é agora. De qualquer modo, outra pergunta mobiliza a indústria do audiovisual e da comunicação: como voltar? Questões sanitárias estão na linha frente, porém as trabalhistas têm gerado impasses nas discussões do setor.

Esses foram alguns dos pontos abordados no webinar “Voltar a filmar agora? Quais são os entraves? Seguro de vida? Aumento do budget? Quem se responsabiliza? Quem paga a conta?”, o terceiro criado pela parceria Spcine e Clube de Criação. O debate foi realizado na quinta-feira 04, via Zoom, e buscou colocar na mesma mesa representantes das produtoras, dos profissionais do segmento, de sindicatos e associações, de seguradoras e dos anunciantes. Dos setores procurados, o único a se ausentar da discussão foi o dos anunciantes. A organização convidou a Associação Brasileira de Anunciantes (ABA).

O tema esteve presente no segundo webinar da parceria: "Experiências ibero-americanas de retomada de filmagens", que ocorreu na véspera e revelou o que está sendo feito em quatro países: Uruguai, México, Portugal e Espanha (confira os highlights do debate aqui). Os relatos demonstram que, embora algumas medidas sejam universais, as formas de retomar a atividade diferem em função da região – diversos protocolos têm sido estabelecidos.

No webinar “Voltar a filmar agora?”, focado na retomada em São Paulo, o debate concluiu que é crucial a união entre as partes. E mostrou também que há uma questão se impondo: quem vai pagar a conta e como ela será distribuída entre os setores? Estiveram no painel Cris Silva, diretora de produção e membro da Procine (Associação dos Produtores de Cinema de São Paulo); Gleice Kelly, sócia da Prospecto Seguros (especializada em seguros e gerenciamento de riscos para o mercado audiovisual e de entretenimento); Marcelo Mendes, advogado do Sindcine (Sindicato dos Trabalhadores na Indústria Cinematográfica e do Audiovisual do Estado de São Paulo); Mário Peixoto, sócio do Grupo Papaki (que tem entre suas empresas Delicatessen, Piccolo, Bando Studio, Shuffle Audio, Untitled e The Other Guiz); e Pedro Capanema, advogado do Sindicato das Indústrias Audiovisuais (Sicav). A mediação foi da jornalista Thayz Guimarães, de O Globo.

A abertura do debate foi feita pela presidente da Spcine, Laís Bodanzky, seguida por Joanna Monteiro, presidente do Clube de Criação. “A produção publicitária está pressionando pela retomada. Porém não há previsão de quando se poderá abrir câmera. Os protocolos estão sendo escritos”, contou Laís.

Para a cidade de São Paulo existem ao menos três documentos em discussão: um voltado para medidas sanitárias, outro para questões trabalhistas e um protocolo em elaboração pela São Paulo Film Commission, que versa sobre o uso dos espaços públicos. Joanna disse que o Clube de Criação está aberto para discussões sobre a retomada, por meio de ações, como o webinar, que acolhe opiniões diversas e viabiliza o compartilhamento de boas práticas.

O vídeo do webinar está disponível na página da Spcine no Facebook.

Confira highlights do debate

Retomada: quem vai pagar a conta?

Thayz Guimarães – “Vamos precisar de muita colaboração para enfrentar esta recessão. A atividade econômica precisa ser retomada, mas isso deve ser feito com segurança. Muitos falam já em começar na semana que vem.”

Marcelo Mendes – “A precarização do mercado de trabalho é uma realidade. Temos muitos free lancers. Hoje estamos distribuindo cestas básicas. A verdade é que há produtoras trabalhando remotamente. Há filmagens. A pressão é pela volta do presencial. Já houve pedidos e questionamentos. Estamos há um mês e meio discutindo protocolo para garantir a segurança do trabalhador. São três sindicatos no Brasil e estamos tentando conversar com as seguradoras (para garantir a volta). Esperamos que o patronal tenha um olhar diferenciado. A questão trabalhista é importante. Se uma pessoa ficar doente, quem vai pagar essa conta?”

Mário Peixoto – “A retomada tem de ser resolvida por todos nós. Defendo a volta o mais rápido possível. Do jeito que está, muitas produtoras vão quebrar. Estamos na pior crise da história. Sinto falta do governo nessa discussão. Ele poderia ajudar a pagar o seguro. Sobre quem vai pagar a conta, digo que todos nós. Já estamos pagando. Muitas produtoras e muitos técnicos estão tentando voltar. A pandemia bateu forte em todo mundo, mas o Brasil tem uma situação provocada pelo governo federal. E o estadual está sob pancadaria. Na mesma semana em que se fala de lockdown, fala-se em reabertura. Precisamos de um acordo. Na publicidade, a gente filma uma a três diárias. Vai ser complicado alguém comprovar que contraiu covid-19 no set. Adoraria botar tudo no seguro e acabou a discussão. Mas não tem isso.”

Cris Silva – “A retomada tem de começar com os anunciantes. Eles e suas agências vão precisar entender que tudo vai exigir mais tempo. Anunciantes têm de colaborar.”

Pedro Capanema – “A retomada é necessária e querida. Precisamos produzir, trabalhar e receber. Mas de forma a minimizar riscos para todos. Essa conta deve ser compartilhada, mas respeitando a fragilidade das partes. É preciso ver qual a melhor forma, sob um olhar de solidariedade. Há três linhas-mestras para a retomada: respeitar o distanciamento social, manter diálogo constante entre as partes a respeito de sintomas – para que medidas cabíveis sejam tomadas se alguém ficar doente -, estabelecer medidas de higienização.”

Seguro e decisões da Justiça

Gleice Kelly – “Atuo com o audiovisual há mais de 12 anos. Há dois tipos de seguros, o anual e o de curto prazo. No anual, há seguradoras concedendo cobertura por morte por covid-19. No curto, para as produções, realmente não temos aceitações. Estou negociando com as seguradoras. Estamos aguardando o protocolo para tomar mais força na negociação. O STF classificou a infecção pela covid-19 como acidente de trabalho. Se for assim, também entram na discussão cobertura de invalidez, despesas médicas e até Diárias de Incapacidade Temporária (DIT). É uma longa discussão. As principais seguradoras são internacionais e elas estão analisando o impacto que tiveram mundialmente. Também vão analisar o protocolo e, por consequência, elaborar ou não a precificação de cobertura para covid-19 em pequenas produções e depois para as grandes.”

Pedro – “O Supremo decretou que a covid-19 é doença ocupacional. Ela pode ser ocupacional. No caso dos profissionais de saúde com risco elevado de contrair a doença – os que estão atendendo nos hospitais -, ela é ocupacional. Se não houver esse risco, não se pode presumir que seja. O Sicov tem o papel de orientar para que se evite riscos. Se a empresa coloca o profissional em situação de risco, o quadro pode ser considerado como doença ocupacional. Mas o protocolo dá norte nesse sentido. Entendo que a decisão do Supremo gerou muita dúvida.”

Como ficam as verbas?

Mário – “Essa é uma questão que vamos entender melhor com o tempo. As verbas desta primeira fase caíram absurdamente. A quantidade de técnicos nas filmagens remotas também caiu. Maquinistas, figurinistas, essas pessoas não tiveram trabalho. Vamos nos adaptar às verbas. Não teremos diárias de 16h ou 24h. Serão no máximo de 12h. Tudo isso vai ter um custo. Durante um tempo teremos filmes menores. Tudo vai ter um reajuste por um tempo. Não teremos filmes com 200 figurantes. Vai ter cliente com mais dinheiro, outros com menos e outros que vão sumir. Itens de segurança serão parte da nossa vida diária. A retomada não quer dizer voltar ao que tínhamos. É voltar para a metade do que tínhamos. Veremos demissões em produtoras. Agências já estão fazendo cortes. Sinto que tentamos perder o menor número possível de profissionais, mas daqui a pouco não vai ter jeito. Já vi protocolos de outros países. O nosso é um dos mais elaborados.”

Condições para os profissionais

Marcelo – “Queria entender como a conta pode sobrar para o trabalhador. A gente está distribuindo cestas básicas para eles. A conta tem de ser compartilhada entre produtoras, agências, anunciantes. Os salários não têm aumentado, principalmente na parte de filmes. Na segunda fase do protocolo, as equipes de filmagens seriam de no máximo 20 pessoas. Vai ter um aumento do tempo de produção. Hoje, tem protocolo sanitário, tem trabalhista e tem um manual de procedimentos.”

Mário – “As produtoras também têm dado cestas. Sabemos da situação precária dos trabalhadores. Mas ele já está pagando a conta. Ela está aí. Há dois meses e meio. As produtoras não estão com dinheiro em caixa. A retomada vai depender de todos. Funcionários estão recebendo menos. Sócios também – no nosso caso. Os freelancers estão ferrados, sem perspectivas. Todo mundo vai ter de ceder um pouco. O cliente vai reduzir verbas. As margens das produtoras estão negativas. A ABA não quis se envolver neste debate porque teria de responder (às perguntas). Talvez esta recessão seja maior do que a de 1929.”

Cris – “Sobre as 12 horas, um assistente de direção não tem poder de falar para parar as filmagens. A Apro (Associação Brasileira da Produção de Obras Audiovisuais) vai ter de ser firme sobre as produtoras seguirem essas 12 horas. Na teoria, tudo funciona, mas os técnicos ficam com medo de não estarem no próximo filme.”

Mário – “A razão das 12 horas é porque a partir de 10 horas as pessoas ficam cansadas e começam a não prestar atenção (nas medidas sanitárias). Por isso, é importante cumprir essas 12 horas.”

Técnico de segurança no set

Gleice – “Tem a nova figura do set que é o técnico de segurança. As seguradoras vão querer relatórios. A pandemia é um risco imensurável. Não tem como a seguradora mensurar valores. Haverá adaptação dos valores vigentes. Estamos negociando uma cobertura mínima.”

Pedro – “O freelancer é o elo mais fraco. O setor do audiovisual tem um número grande de autônomos. Setores que tem majoritariamente CLT, como as montadoras, têm seguros do próprio contrato de trabalho. Precisamos reinventar a roda. Não me parece razoável exigir que prestadores autônomos tenham o custo adicional do seguro. Existe um elo forte e um fraco. É preciso respeitar isso.”

Grupos de risco e + questões trabalhistas

Thayz – “Profissionais do grupo de risco serão desconsiderados? Existe a discussão sobre um questionário a esse respeito.”

Marcelo – “O questionário é um motivo pelo qual o protocolo está em revisão. Esses trabalhadores são mais vulneráveis, mas eles precisam trabalhar. Fizemos um mapeamento de riscos com áreas marcadas com vermelhos, amarelo... Quem vai para uma determinada área usa a máscara N95 (usada por profissionais de saúde). A produtora precisa observar se essas pessoas estão contaminadas. Nós entendemos que pode haver uma discriminação e isso pode gerar entre essas pessoas problemas de segurança alimentar. Produtoras devem estar sensíveis a esse assunto.”

Cris – “Por mais que as intenções sejam boas, talvez esses técnicos não sejam chamados. Acho importante ter um ponto de apoio para essas pessoas. Creio que essas pessoas, se preencherem um questionário desses com sinceridade, vão acabar ficando em casa.”

Marcelo – “A gente está tentando criar um fundo emergencial. Mas para isso é preciso ter dinheiro. É uma guerra conseguir verba. Precisamos da adesão dos anunciantes. Não temos conseguido falar sobre questões trabalhistas. E isso é importante.”

Mário – “Acho que não é responsabilidade da empresa pagar seguro para freelancer. Acho que poderia ser vendido seguro individual em pacotes.”

Pedro – “Muitas vezes as produtoras recebem orçamentos fechados. E isso impacta nas horas trabalhadas. Vamos ter de encontrar maneiras de respeitar horário limite e manter o orçamento. Não pode ter produtora falando de pagar seguro individual. Proponho que, havendo seguro maior, que o custo seja equacionado no orçamento.”

Gleice – “Seguro individual fica com custos absurdos.”

Quando vai sair o protocolo?

Mario – “A ideia (no começo) era ter um protocolo sanitário. Aí apareceram itens trabalhistas. A atitude foi vamos focar no sanitário porque isso aqui (o trabalhista) está sendo negociado entre Sindcine e Siaesp (Sindicato da Indústria Audiovisual do Estado de São Paulo). Ou o protocolo não sai. Não estou falando que concordo ou discordo. Nós todos gostaríamos de mais prazo para tudo.”

Laís  Bodanzky (respondendo pergunta feita por Cris Silva) – “É a secretaria do trabalho que fará análise dos protocolos. Isso não está a cargo da Spcine. Não está clara em qual etapa a filmagem será liberada. Quando falamos de São Paulo, pensamos num conglomerado. A cidade está numa realidade, mas a Grande São Paulo em outra. Você pode liberar em um lugar, mas não estará em outro. É um assunto delicado. Sobre questões trabalhistas, a Spcine tem uma política afirmativa e isso exige ações afirmativas. A gente entende que não tem como fazer um protocolo sem envolver questões trabalhistas. O trabalhador do chão de fábrica tem de ser ouvido. Não acredito em protocolo que não leve essas questões. A indústria é uma engrenagem.”

Mário – “É importante que a gente consiga voltar a trabalhar com segurança. Para mim, o início tem de ser com um protocolo sanitário. Não tem problema discutir o trabalhista. Mas acho que o fórum é outro. Desde o início buscamos segurança.”

Marcelo – “Iniciamos a discussão sobre protocolo sanitário com inúmeras associações. Surgiu a ideia de tirar o trabalhista do sanitário. A proposta era que elas andassem ao mesmo tempo. No decorrer da negociação, avançou o sanitário e o trabalhista ficou para trás. Mas achamos que não há como desconectá-los. Vejo o Siaesp patinando nisso, mas precisamos discutir as questões sanitárias.”

Cris – “A gente sabe que as produtoras perderam muito poder de negociação com agências e anunciantes. Filmes grandes são feitos com metade do preço e metade da equipe. Acho que é hora de as produtoras se unirem para retomarem poder. A questão trabalhista é importante também para a produtora. A Apro tem de pensar nisso para melhorar também para as produtoras, que também não está boa.”

Mário – “Adoraria que fosse assim. Mas a oferta aumentou, a demanda está igual ou caiu. Chega uma hora em que é preciso baixar o preço e se busca um técnico que não está no Sindcine para fazer mais barato. Infelizmente, o mercado está nessa situação. Gostaria muito de ter um piso mínimo de valores para a gente trabalhar, mas isso eu não vejo acontecer.”

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