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Entrevista / Nizan Guanaes

'Quero que a DM9 seja uma youtuber'

04.02.17

Em meados do ano passado, Nizan Guanaes, fundador do Grupo ABC, ouviu de seu analista que ele precisava de um desafio. Com perfil “neurótico e ansioso”, como definiu, concluiu que o bom para ele é ter problemas reais em vez de imaginários. Em 2016, Nizan tinha uma rotina pouco definida. Havia feito a sucessão na Africa, à qual tinha se dedicado nos últimos anos, e estava sem 'dia a dia'. Era hora de voltar a ter uma agenda cotidiana. Dizendo-se “mãe” do Grupo ABC, ele resolveu, entre outubro e novembro, que voltaria para a DM9, “filho que no momento demanda atenção”. Antes de retornar à agência onde sua trajetória começou – e pela qual tem xodó, confessa –, Nizan esperou que a empresa passasse por ajustes para se adequar ao cenário crítico do país. Ele reconhece que 2016 não foi um bom ano para a DM9, embora, segundo ele, ela seja lucrativa. Segundo o ranking 2016 do Kantar Ibope Media, a agência ocupa o 24º lugar em compra de mídia (resultante da soma de investimentos, sem o cômputo de descontos, entre janeiro e novembro). Em 2015, detinha a 10ª posição. Naquele ano, a DM9 perdeu as contas de Vivo, Guaraná Antarctica e C&A, o que impactou os negócios do ano passado. Neste início de 2017, a Telhanorte, que era atendida pela agência, entregou sua conta para a Ogilvy & Mather (leia mais aqui).

Disposto a chacoalhar a agência, Nizan, 58 anos, retornou para o front na quinta-feira 02 de fevereiro, dia de Iemanjá, com direito a festa – que reuniu clientes, funcionários do ABC, personalidades e profissionais de veículos – e transmissões ao vivo pelas redes sociais. Já estabeleceu uma rotina (acorda às 5h, na sequência treina para se preparar para uma versão curta de Iron Man em 2018 e parte para a agência) e um lema para esta nova fase: #tudodenovo. Volta aos negócios para ser uma espécie de "reitor ou editor-chefe". Dará o tom do que gostaria de ver na criação. Mas quer mais do que isso. O fundador do ABC planeja que a DM9 seja um centro de conhecimento e que invista fortemente no digital. Frisa que sua chegada, com os lives feitos no Facebook e no Instagram, mostra que a empresa pode ser broadcaster. Pode ser uma youtuber, ressalta, explicando que se sente influenciado por esses jovens que transformam seus canais no YouTube em negócios. Admira, inclusive, Kim Kardashian que também sabe se comunicar e fazer business utilizando as redes sociais. Acrescenta ainda que o conceito #tudodenovo implica em fazer com que a DM9 esteja perto das grandes bandeiras sociais e culturais. E nisso está a causa LGBT. Ele escreveu uma música com Preta Gil para ser um hino em favor da comunidade gay.

Clubeonline – Por que decidiu voltar para a DM9? Houve algum gatilho?

Nizan Guanaes – Meu analista disse muito claramente: “Nizan, você precisa de um desafio”. O momento está desafiador para todo mundo. Mas a DM9 é uma agência de 27 anos, no meio de uma crise. Ela precisa de uma chacoalhada, tenho dito isso. E eu, que tenho 58 anos, preciso de uma chacoalhada também. Vai ser bom para todo mundo.

Clubeonline – Quando o analista disse isso para você?

Nizan – No meio do ano passado. Ele ficou me enchendo porque eu estava muito... Sabe aquele cara que vende a empresa e está tudo muito delegado? A agenda começa a ficar vazia. Isso não é bom.

Clubeonline – Não é o Warren Buffet que diz que luxo é ter uma agenda em branco?

Nizan – É diferente. Eu não nasci para ficar hands-off. Isso é do perfil da pessoa. Sou um sujeito neurótico e ansioso. Uma pessoa com o meu perfil é bom que ela tenha problemas reais. Porque, se não, eu fico tendo problemas imaginários. Já que eu tenho de ver algum problema, que sejam problemas dos outros, dos meus anunciantes. Aí eu me envolvo com o problema deles e paro de ficar inventando história.

Clubeonline – Voltando ao analista, ele te disse em meados do ano passado que você precisava de um desafio. Você levou todo esse tempo para definir o desafio?

Nizan – Tomei a decisão por volta de outubro, novembro. Veja, tenho uma relação emocional com a DM9. Nós, homens de marketing, continuamente trabalhamos com reposicionamento de marcas. A DM9 precisa de um reposicionamento. Ela tem todas as forças dentro dela. As marcas precisam de reposicionamento quando elas não estão bem, quando são desafiadas e quando estão super bem. A vida é dinâmica. Você precisa se reposicionar o tempo todo.

Clubeonline – E como você coloca a DM9 nesse sentido? Pegando relatórios do Kantar Ibope Media, os números de compra de mídia decaíram.

Nizan – Isso acontece muitas vezes com agências que estão bem e, por motivo nenhum, perdem uma grande conta. Então, ela cai no ranking. Quando você perde uma ou duas contas num momento de crise, aí isso é uma tempestade perfeita. Mas, se você olhar ao longo da história da DM9, verá que a agência tem uma capacidade de resiliência muito grande.

Clubeonline – Durante a recepção que fizeram para você (no primeiro dia do retorno), um colega escreveu para mim, no Facebook, “mas por que a DM9 já que o Nizan é fundador do Grupo ABC”?

Nizan – Primeiro porque posso fazer o que eu quiser, né (rindo). A DM9 é uma marca fabulosa, com potencial enorme. Uma DM9 forte fortalece o Grupo ABC. O Alcir (Gomes) está cuidando da LDC e vamos ter ótimas notícias no próximo mês. O Grupo teve um início de ano muito bom. Tivemos um trabalho difícil no final do ano, que foi de enxugamento de processos, de uma série de coisas. O próprio Paulo (César Queiroz, CEO da DM9) fez isso aqui também. Ele fez um trabalho de engenharia muito bom antes que eu começasse o trabalho de arquitetura. Então, acho que esse é um desafio animador e gostoso. Não só o Paulo fez esse processo, como todas as empresas passaram por isso. Isso tem acontecido na economia. Não se consegue atravessar o atual quadro econômico se não forem cortados custos. No nosso setor, 60% dos custos se referem a pessoal. Com essas leis trabalhistas, que são, para mim, necrosadas, a gente não tem um jeito de negociar com as pessoas. Então, você precisa cortar gente, o que é muito ruim.

Clubeonline – No aspecto criativo, como é seu retorno?

Nizan – Volto para ser técnico. Eu sou um reitor, um editor-chefe. Outro dia meu papel foi tirar a DM9 de uma concorrência que não tinha nada a ver: era caótica e tinha 19 agências. Acho que somos responsáveis pelas coisas que a gente faz. A gente é responsável pelo nosso sim e pelo nosso não.

Clubeonline – Mas vai atuar como criativo também?

Nizan – Vai ser muito mais no tom. É dar uma cara. É mais uma curadoria. Nos próximos meses vou focar em cultura, no nosso jeito de fazer. Em pessoas que têm nosso jeito. Em atrair talentos. Em criar um plano estratégico apontando onde nós vamos crescer. Vou focar em digital, digital, digital. O Paulo Queiroz tem um entendimento de mídia e big data que é possibilitado pela enorme formação que tem e por seu absurdo conhecimento de tecnologia – tanto que ele está escrevendo um livro sobre big data. A agência tem forças muito grandes nessa parte de compreender o papel de dados. E também tem grande força nas áreas de mídia social e de programática. Quero agora potencializar e desenvolver essas forças.

Clubeonline – Quando você imagina a DM9 encerrando este ano, então, você a vê trabalhando mais no digital. E em conteúdo?

Nizan – Em tudo que tiver. Evidentemente que você vai ter de continuar fazendo TV, rádio. Mas você não vai representar o novo fazendo mais um espetacular filme de televisão. Quanto mais a gente arrebentar a boca do balão em digital, em programática, nas mídias sociais, em brandformance, melhor. Acho que é por aí. É o que eu faria se estivesse começando tudo de novo. E eu estou.

Clubeonline – Falando desse “tudo de novo”, você comentou que a marca será DM9. O DDB vai sair mesmo do nome?

Nizan – Meu nome é Nizan Mansur de Carvalho Guanaes Gomes. Eu editei como quis. Amo a minha relação com a DDB. Ela é uma força poderosa, digital. É uma empresa que está se reinventando de maneira brutal. A Wendy Clark é a executiva do ano no Ad Age. A Adam & Eve é a agência internacional do ano. A Alma DDB é a agência multicultural. Mas da mesma forma que a Alma é a Alma, eu vou usar DM9. Mesmo que o nosso nome de casado seja DM9DDB. Quero firmar a marca histórica e lendária. Aí é a parte do reitor cuidando da marca.

Clubeonline – Essa história da hashtag #tudodenovo é invenção sua?

Nizan Eu não gosto de hashtag. Acho um negócio cafona. As pessoas, quando querem fazer qualquer coisa moderninha, colocam hashtag. Mas o DM9 Tudo de Novo, sim. Porque acho que ela tem de ser um centro novidadeiro. Em vez de sair numa luta enlouquecida e entrar num monte de concorrência muquirana e de querer ficar fazendo coisas que não têm nada a ver, eu vou trabalhar para nossos clientes. E exacerbar, exaltar e doutrinar na nossa cultura. Quero que cada menino que trabalhe aqui saiba a filosofia da casa, o que a gente é e o que a gente não é. Quero fazer isso!

Clubeonline – E como pretende fazer?

Nizan – Vamos pensar o que podemos acertar com as grandes escolas do mundo. Com Harvard, Stanford, Yale, Singularity, London Economics, Hyper Island. Isso é que eu quero organizar. Quando penso na DM9, penso o que eu faria no início da minha carreira. É isso que vou colocar em prática. Estou indo para o Congresso de Mobile de Barcelona. Quero que a DM9 esteja conectada muito com isso, com SXSW, Cannes, com tudo que tem de novidade. Mas não é Cannes, o centro de premiação. Isso aí tudo bem. Mas é Cannes, o centro de conteúdo. A DM9 tem de ser uma casa de saber, uma casa de conhecimento.

Clubeonline – No vídeo feito para o Facebook, você fala que quer conquistar clientes e trabalhar para os clientes. E agora você diz que não quer entrar em 'qualquer' concorrência. Como se define essa parte?

Nizan – Eu digo “primeiro seja luz”. A luz atrai as coisas. A DM9 tem um portfólio grande. Ela não teve um ano brilhante em 2016, mas é uma empresa lucrativa. É muito bem estruturada, muito bem tocada. Nossa estratégia agora é focar nos nossos clientes e crescer nos nossos clientes. Cuidar da nossa cultura. E atrair tudo que tem de novo. Eu acredito que as coisas acontecem no tempo certo.

Clubeonline – Quando o ABC foi comprado, falou-se que você e o Guga Valente ficariam no comando até 2020. Ok, você disse que não é uma pessoa hands-off. Mas você já pensou em aposentadoria?

Nizan – Exatamente, até 2020. Aposentadoria, nem pensar. Imagino o seguinte: chega um momento na vida que todo mundo tem de desacelerar. Mas eu tenho 58 anos. Se Martin Sorrell, que tem 70, não tá pensando nisso, eu vou pensar nisso agora? Não. Vamos embora.

Clubeonline – Mais de uma vez você falou dos 58 anos. Você tem alguma questão com a idade?

Nizan – Quando eu tinha 160 quilos, eu tinha muito mais questões do que hoje. Tenho uma pauta de longevidade total. De busca disso. Claro que a decisão é sempre do dono do ponto, que é Deus. Mas eu gostaria de trabalhar para ser cada vez mais produtivo e sempre me reinventando. A gente fica esperando algumas coisas e a vida manda outras. Não adianta ter tanto planejamento assim. Mas eu tenho um planejamento. Com o que tenho de ideias e coisas para fazer eu iria precisar de uns... 150 anos. Quando a DM9 estiver voando, terei tempo para dar para as outras empresas o que elas querem, a minha participação. Mas agora o foco é aqui. DM9 é meu xodó. É a empresa em que eu comecei.

Clubeonline – Já que falou nisso, você é chairman do Grupo ABC...

Nizan – Eu nem tenho esse cargo. Não mais. Nós vendemos a companhia. Eu sou fundador. Mas eu sou mãe do Grupo ABC. Esse cargo, o de mãe, é um do qual você jamais é destituído.

Clubeonline – Nessa analogia de mãe, sendo mãe, você tem filhos.

Nizan – Exatamente. E você dá atenção ao filho que está te demandando naquele momento. Não existe a pergunta “mas que filho você ama mais”. Essa questão uma mãe sabe entender muito bem.

Clubeonline – Mas e o ciúme dos outros filhos?

Nizan – Ah, isso eles que resolvam. Mas é animador ver o que o Alcir está fazendo pela LDC. Vocês vão ver brevemente. É inspirador. Mas esse mercado precisa ser chacoalhado. Não é só a DM9, e sim todo mundo. Tem um monte de coisa pra fazer. O mundo está chacoalhando e a gente precisa chacoalhar com ele. Primeiro: eu não tenho medo do mundo digital. Quando eu estava no iG, me perguntavam se eu achava que esse negócio de internet ia dar certo. Eu ia à porta das pessoas dizendo “vai dar certo”. Investi na AgênciaClick, na Pereira & O’Dell, na Dojo. A Pereira & O’Dell deu super certo. Na Dojo perdi todo o dinheiro que coloquei lá. Então, eu corri os riscos de ganhar e de perder nessa indústria. E eu me sinto muito bem.

Clubeonline – Então, no mercado está faltando isso, correr mais riscos?

Nizan – Sim, está faltando. Não podemos ter medo das coisas que já estão aí. O mercado brasileiro é fantástico. Tem empresas enormes, mas não tem de ter medo do mobile, do branded content... São grandes oportunidades de lucrar. “Ah, agora tenho medo das consultorias que estão entrando na nossa área”. Ora, eu acho legal. Quer saber? Tenho muito mais medo do sujeito que não sabe cobrar – e vende o nosso trabalho por quaisquer dois mil réis – do que da Accenture ou da McKinsey. Elas contribuem com o pensamento estruturado e são empresas de negócios. Elas sabem cobrar. Eu acho isso bom. A propaganda precisa do pensamento estruturado das consultorias. Na DM9 vamos fazer muitas parcerias com as consultorias. Mas acho que as consultorias precisam também do pensamento desestruturado da propaganda. Porque se não fica tudo muito coxinha. Uma das coisas que quero aprender com as consultorias é como cobrar os bilhões que elas cobram (risos).

Clubeonline – Quem te inspira hoje? Youtubers?

Nizan – Totalmente.  Gosto muito da compreensão dessas pessoas de como elas estão se comunicando no YouTube. Elas criam uma programação no YouTube e, por meio dessa comunicação, criam um negócio. Minha chegada aqui, com o Facebook e o Instagram (Nizan Guanaes fez lives usando estas plataformas), mostra que os negócios também são empresas de mídia. Quero que a DM9 seja uma central de conhecimento fazendo broadcasting daqui, usando a rede para falar. Acho importante transformar a DM9 numa empresa youtuber.

Clubeonline – E seu lado social?

Nizan – Fiz uma música que tem a pretensão de ser um hino da causa gay no Brasil. Sou embaixador da Unesco. Tenho preocupações sociais. Há uma intolerância muito grande hoje, principalmente sexual. É exacerbada. É um perigo preconceito e falta de educação juntos. Tem havido crimes contra pessoas de maneira muito contundente. E isso me afeta de modo pessoal, por todos os amigos que tenho. Estou fazendo isso com a Preta Gil. Queremos reunir um grupo de artistas para gravar essa música e fazer um movimento em torno dela. Isso é um trabalho. Outro é um projeto de tombamento do Quadrado de Trancoso. Nesse “tudo de novo” quero reunir o que há de mais moderno em conhecimento, mas isso significa também estar perto das grandes bandeiras sociais e culturais do país. Quero que a DM9 esteja no centro dessas bandeiras sociais, como a de respeito às diferenças.  Eu trabalho para a Women in The World Foundation (da jornalista americana Tina Brown) e também tenho essa causa muito próxima. Quero que a DM9 esteja ativa em todas essas pautas. Isso também vai ser o foco do nosso trabalho.

Lena Castellón

Entrevista / Nizan Guanaes

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