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O Espaço é Seu

Precisamos falar do elefante (fêmea) na sala (Natasha Maasri)

23.09.16

No Festival de Cannes de 2016 tive o privilégio de poder participar da terceira edição do programa "See it Be it" (leia aqui). Foram escolhidas pelo próprio evento 15 criativas do mundo inteiro, dentre 500 candidatas, para participar da iniciativa lançada em 2014. Sendo o intuito "acelerar" a carreira de profissionais em ascendência e começar a mudar o problema da desigualdade de gênero na área de criação.

Ao todo, mulheres somam menos de 20% do departamento criativo e apenas 3-6% têm cargos de liderança. Analisando esses números não tem mais como ignorar a realidade. Hoje, em 2016, quando as mulheres têm 80% do poder de compra, as agências de publicidade ainda são dominadas por homens. E a prova estava ali, bastava simplesmente olhar ao meu redor durante o festival.

Por outro lado, graças ao “See it Be it”, eu também pude olhar ao meu redor e me ver na presença de várias mulheres poderosíssimas do mercado, o futuro. Sim, elas existem e são f***. Foram quatro dias muito intensos com palestras, workshops, sessões exclusivas de mentoria e, claro, festas e rosé. Faz parte e é um dos melhores lugares de networking, sério. Dizer que eu aprendi muito é pouco. Foi uma experiência transformadora.

O simples fato de estar na presença dessas mulheres me deixou mais empoderada e isso é exatamente um dos pilares do programa: nos fazer conviver com mulheres que já chegaram ao topo. Porque "se você não pode ver, você não pode ser" ("if you can't see it, you can't be it").

Apesar de cada sessão me proporcionar vários insights diferentes, alguns temas eram recorrentes.

Não é pra ser igual
Ter tão poucas mulheres em cargos de liderança para ter em quem nos espelhar acaba nos deixando com a impressão de que precisamos ser iguais aos homens para termos sucesso. Fica difícil você se ver no topo quando não se identifica com quem está lá. Eu não quero ter que agir como um homem para ter poder. Eu quero ser eu e ainda assim ter poder.

Por isso que programas como “See it Be it” são tão importantes. Precisamos ter em quem nos espelhar, precisamos ver o que é uma mulher na liderança da criação, colocá-las sob holofotes para que elas sirvam de inspiração para as que ainda estão começando.

É necessário ver que existem diferentes tipos de força, de trajetórias e de atitudes. Que é sim possível ser mulher, criativa, autêntica e estar no poder. Não são unicórnios.

Não nos falta competência, e sim confiança
Katty Kay, principal âncora da BBC nos EUA e coautora de vários livros sobre autoconfiança feminina, nos falou de um estudo que diz: para ter sucesso no mercado de trabalho, auto-confiança é mais importante do que competência.

Tanto ela, quanto Kate Stanners (CCO Global da Saatchi) e Susan Credel (CCO Global da FCB), mencionaram o fato que mulheres só se apresentam para cargos nos quais elas cumprem 100% dos pré-requisitos, enquanto homens se apresentam ainda que cumpram apenas 60% dos critérios.

Nos falta confiança para falar o que pensamos, para insistir em ideias em que acreditamos, para nos permitir errar, para pedir aumento ou a promoção merecida. Resumindo, para nos arriscar.

Criatividade não é exclusiva para um só gênero. Nós somos criativas e muito. O que falta é se jogar. Pois a cada risco tomado, a autoconfiança cresce.

A riqueza da diversidade
A situação atual das agências é um legado de uma outra era e não representa o mercado atual. O fato do departamento criativo ser tão homogêneo, acaba gerando um ciclo de mensagens estereotipadas, masculinas e não representativas de mulheres ou da realidade do mundo em que vivemos.

A comunicação está com sede de mensagens novas e nós trazemos essa diversidade tão necessária. A verdade é que temos insights diferentes, filtros diferentes e skills diferentes. Não melhores, apenas diferentes. Podemos falar menos, mas ponderamos mais, somos melhores ouvintes, a nossa famosa habilidade de "multi-task" acaba sendo ótima para administrar vários projetos ao mesmo tempo, e o nosso tão falado altruísmo é um ótimo skill para liderar uma equipe. O que oferecemos é valioso e precisamos saber e nos orgulhar disso.

Sophie Schonburg, VP da mcgarrybowen Brasil disse em entrevista:
"...uma das principais características femininas que contribuem positivamente no processo criativo é o feeling de identificar mensagens desrespeitosas contra a mulher ou mesmo outros grupos da sociedade..." "Por ser vítima de preconceitos, a mulher tem mais cuidado ao falar sobre assuntos delicados e transita pelo universo masculino melhor do que o homem pelo feminino".

O que complementa perfeitamente o que Cindy Gallop disse em uma palestra em Cannes:
"...é sobre como mudar a composição do departamento criativo pode influenciar o trabalho que está sendo produzido. Não é apenas uma luta sobre igualdade de gênero, é uma luta sobre humanidade."

Enfim, não existe uma forma "certa" de pensar, muito menos uma forma certa de chegar a uma ideia. Isso, na verdade, é o oposto da criatividade. O que existe é ideia boa e relevante, e isso independe da origem.

Do it
Essa mudança não vai ocorrer da noite para o dia, mas não podemos deixar esse assunto sair de pauta até que haja uma mudança real. E para que essa mudança ocorra precisamos começar a agir, começar conscientemente a adotar medidas para forçar essa quebra de paradigma.

Para mim, uma das mais efetivas é incluir homens na conversa. Falamos muito disso no final do programa em Cannes e foi um sentimento quase que unânime. É ótimo falarmos e discutirmos entre nós, mas para que as coisas comecem realmente a andar e as atitudes realmente mudem, precisamos da participação e colaboração deles. Kate Stanners disse uma coisa interessante no começo: “Precisamos encontrar homens que queiram mudar essa realidade não porque é certo, mas porque é esperto”. (Em inglês fica tão melhor: "find a man in your agency that wants to change things not because it's the right thing but because it's the BRIGHT thing").

Outras coisas que foram mencionadas:

- Ter júris equilibrados, (Susan Credle sempre pede para que o júri que ela vai presidir seja 50/50) e eu diria mais, ter júris diversificados.
- Para cada vaga que abrir, pedir para que o RH apresente o mesmo número de currículo de mulheres que de homens. Se for o caso fazer programas em universidades para incentivar mulheres a apresentarem seus currículos.
- E o meu preferido: mande o elevador de volta para o térreo - para mulheres que já chegaram ao topo. Sejam mentoras, incentivem as mulheres a se arriscarem nas carreiras, conscientizem os homens das suas agências que isso é um assunto a ser levado muito a sério.

Depois dessa experiência em Cannes, "like a boss" nunca mais vai ter a mesma cara para mim. E vou fazer o possível para que ela mude para o mercado também.

Natasha Maasri, supervisora de criação da Ogilvy Rio

Leia anterior sobre o projeto "See it Bee it", aqui.

Leia sobre os painéis "Por que somos tão poucas na criação das agências" (aqui) e "Inclusão de gênero e diversidade na propaganda" (aqui), ambos realizados durante a edição de 2016 do Festival do Clube.

O Espaço é Seu

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