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O Espaço é Seu

Simonal, música e comunicação (Max de Castro)

16.12.16

Música e comunicação sempre andaram lado a lado. Nem me refiro a primeira [música] como simplesmente ferramenta, suporte ou mídia. Uma canção pode ser também um dos melhores lugares para se propagar uma ideia, um conceito ou até uma marca. Quero dividir com vocês algumas histórias e reflexões sobre este tema.

Penso que minha relação com elas [música e comunicação] vem de berço: muito pelo fato de ouvir e ver meu pai, Wilson Simonal, sempre prezar e falar da importância do poder da comunicação. Como artista, ele considerava isto tão importante quanto o repertório, a letra, o arranjo e a escolha dos músicos.

Alguns exemplos: as gírias que ele inventou ou reproduziu apropriando-se delas. No proto-rap que ele acrescentou na canção genial "País Tropical", em que ele retirou algumas sílabas da letra original e transformou "moro num país tropical" em "mó num pa tropí" ou ao inventar uma segunda parte para a cantiga de roda "Meu limão, meu limoeiro" só com lálálá, já que o objetivo era comunicar, estabelecer um diálogo, qualquer ser humano que tivesse voz poderia acompanhar.

Em 1969, ele se tornou o primeiro artista brasileiro a se auto 'empresariar'. Abriu uma empresa com a pretensão de ser uma agência de publicidade. O nome dizia tudo: Simonal Comunicações S.A. Virou, então, garoto-propaganda da Shell, em um dos contratos mais bem-sucedidos da história do marketing nacional. Não pense você que o plano se resumia apenas em o artista sorrir ao lado de uma lata de óleo ou de um frentista para uma foto estampada em páginas de revistas. Meu pai "malandramente" encaixava o slogan da Shell  - "algo a mais" - no meio de canções ("...essa é a razão da simpatia, do poder do 'algo a mais' e da alegria") e a companhia petrolífera patrocinava seus shows. Chegou a juntá-lo à Seleção Brasileira de Futebol, que embarcaria para o México em busca do sonhado tricampeonato, em 1970.

Todo caso de sucesso artístico musical não deixa de ser um "case" bem-sucedido de publicidade.

Minha experiência direta com a publicidade começou em 1993. Fui levado pelo meu irmão Simoninha para trabalhar na MCR, produtora de áudio que fez história em seu tempo. Lembro como se fosse hoje: eu saindo da adolescência e chegando ao mundo dos adultos e dos publicitários cheios de prazos, egos e demandas. A produtora era uma linha de montagem criativa, como se fosse uma Motown da publicidade, chefiada pelo carismático Sergio Campanelli. Várias equipes de talentosíssimos produtores, arranjadores e compositores competindo pra ver quem fazia a peça mais bacana. Foi onde eu vi e mexi pela primeira vez no programa de gravação e edição de som chamado Pro Tools, mas também vi muitas peças serem finalizadas analogicamente em gravador de rolo multipistas.

Meu primeiro trabalho foi tocar guitarra numa música que seria cantada por Ben Jor para uma campanha da cerveja Antarctica. Quando ele ouviu a trilha ("Nesse calor você merece uma cerveja…"), a música era até boa, mas não gostou da gravação e mandou fazer outra. Como ele sabia que eu tinha gravado a guitarra, pediu pra mantê-la. Aliás, eu só estava ali como "ghost guitar" porque era esperado por todos o swing insuperável do próprio Ben Jor. Moral da história, a equipe refez a gravação e eu acabei regravando a guitarra sem ele saber. Depois de botar a voz, ele fez questão que ficasse a versão com a minha participação. E assim, através desse gesto de gentileza e delicadeza dele, pela primeira vez numa gravação de Ben Jor outro guitarrista tocou em seu lugar. No final da década de 80, o mesmo Jorge arquitetou, querendo ou não, um grande plano de marketing. Como todos sabem, ele mudou seu nome para Jorge Ben Jor. Uma operação aparentemente simples, mas no caso dele arriscada, já que era um dos mais queridos artistas brasileiros, com um dos repertórios mais conhecidos e celebrados, inclusive em vários países do mundo. Numa jogada de mestre, ele tornou imaculada sua obra anterior da fase Ben e conseguiu renovar totalmente seu público e sua imagem, dando vida a um novo artista, chamado Ben Jor. O plano foi tão bem realizado que até parece ter sido executado por uma agência de publicidade.

Alguns anos passaram. Eu agora tenho minha própria produtora. Vejo e sinto que estamos num processo de transformação total ("the times they are a-changin", como diz a canção de Bob Dylan). É um momento de reposicionamento de peças e de buscar novos caminhos, tanto para a comunicação quanto para música em si. Nunca foi tão necessário ser "criativo"! Principalmente numa era regida por mesas de compras, crises, bizarrices e golpes. Nada será como antes.

Há um ano eu e meu sócio Hebert Mota resolvemos expandir nossos negócios e fomos para New York. Lá tivemos a sorte de nos associar ao Álvaro Alencar, um dos mais renomados engenheiros de som, vencedor de 13 Grammy Awards. Eu não sabia, mas agências de publicidade na América do Norte não vendem mídia, o que faz toda diferença no processo criativo, já que o mesmo não será regido pelo prazo de veiculação, e sim pelo próprio andamento da criação envolvida. Pelo menos foi isto que eu vi até agora nos lugares onde tive o prazer de estar (Havas - NY, Pereira & O'Dell - San Francisco, 180 - LA, Grey - NY, 360i - NY, R/GA - NY). Uma coisa interessante que o PJ, da Pereira & O'Dell, me falou, é que nos EUA trabalha-se sempre com o melhor fornecedor, esteja ele onde estiver. A velha busca pela excelência que todos nós queremos.

Outra coisa que é facilmente observada é o respeito e a moral que o criativo brasileiro ostenta no mercado norte-americano. Quem consegue criar e ser bem-sucedido aqui no Brasil, na teoria pode criar em qualquer lugar no mundo. Assim como a música brasileira, que além de ser consumida e admirada pelo mundo afora, conseguiu um status de gênero.

Há muito trabalho a ser feito. É preciso muita disposição. É preciso ter sorte, mas também é preciso ter fé. "More tears are shed over answered prayers than unanswered ones", já dizia Truman Capote.

Max de Castro, sócio e produtor musical da H.A.M.nyc

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