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O Espaço é Seu

A tecnologia está matando a criatividade? (Karina Israel)

28.08.17

A tecnologia está matando a criatividade?

Nos últimos tempos, este questionamento tem vindo à tona com muita força nos veículos de comunicação, tendo sido capa de revistas especializadas em todo o mundo. Seja pelas métricas exigidas pelos clientes ou mesmo pela demanda frequente de que tecnologia aliada à experiência é considerada fundamental para o engajamento nos dias que correm. O que mexe com o status quo da publicidade tradicional e incomoda muito. O assunto transborda os limites das agências e desafia o nosso dia a dia como profissionais, pais e humanos.

Este não é um questionamento propriamente novo. Lembro que, quando eu era criança, os vilões eram os jogos de videogame e a TV, que levariam à queda da imaginação. À época, já sugeriam que a tecnologia estava extinguindo impulsos criativos. No entanto, continuamos criando coisas e em uma velocidade impressionante. E aí?

Aí resolvi usar a tecnologia disponível – à distância de um mero polegar - para escrever sobre o tema e jogar a pergunta nesse mundão digital e ver no que dava. Houve quem perguntasse à Siri, reagindo de forma divertida e bastante criativa à questão. Recebi provocações ainda maiores, como “ainda estamos falando de criatividade 'humana'?”. Boa! As respostas foram bastante inspiradoras e nos fazem refletir sobre a questão. Vou separar pelos grupos de respostas:

Puro mimimi
Houve quem reclamasse da pergunta e se rebelasse: "Como pode? Quem chegou a pensar nisso não entende de criatividade! Parece até 'coisa de gente que criava os layouts em guache e precisou se adaptar à chegada do computador'" . Ui! Lembrou-me uma frase clássica que se propaga há mais de um século nos corredores das agências: "Sei que 50% da minha verba publicitária é desperdiçada. O problema é que não sei qual metade é essa". Frase do guru do varejo norte-americano John Wanamaker. Vai ver está aí o incômodo, agora já conseguimos saber.

Bem capaz
Teve até uma referência profunda ao mito do autor do filósofo tcheco, naturalizado brasileiro, Vilém Flusser. "Toda informação se produz como síntese de informações precedentes, por diálogo que troca bits de informação para conseguir informação nova. O mito do autor pressupõe que o ‘fundador’ (o gênio, o Grande Homem) produz informação nova a partir do nada (da ‘fonte’). O autor mítico cria na solidão da geleira, nos mais altos picos (Nietzsche)." A ideia de que existe algo de misterioso no íntimo do autor, que ao viver um diálogo interno e solitário, se permite criar algo realmente novo, que transcende as informações recebidas. Basicamente, se não estamos isolados, estamos reproduzindo coisas e não as criando. No momento em que estamos hiperconectados, em uma avalanche de informações, a atividade criativa está comprometida. Faz pensar não?

Muito pelo contrário
Para esse grupo, a tecnologia estimula, incentiva e renova a criatividade. “Hoje, as referências são inúmeras. E as experiências ilimitadas. Graças à tecnologia..."; "Ela traz novas ferramentas e mais desafios para a criatividade"; "E isso nos dá mais possibilidades para inventar". Aqui, se defende que a tecnologia consegue reduzir o número de tarefas repetitivas e nada criativas nos dando mais tempo para o que importa. Uma amiga redatora e roteirista trouxe uma boa dose de otimismo para a questão: "está abrindo tempo e espaço para sermos mais criativos, mais humanos e mais felizes".

Maaas...
Nessa vertente, defende-se que a criatividade está sendo morta pela nossa dependência por ferramentas que nos levam a uma simplificação do processo criativo e nos viciam em formatos pré-estabelecidos. Um dos perigos está em "dar mais valor à ferramenta ou tecnologia do que à própria ideia". Em Admirável Mundo Novo, Aldous Huxley sugeriu um futuro no qual os seres humanos alimentavam seu desejo por distração por meio da tecnologia. Nessa visão, simplesmente evitávamos qualquer tédio, distraindo-nos com nossos dispositivos tecnológicos. Parece familiar? Realmente, distraídos com tanta tecnologia, perdemos nossa capacidade de fazer, "de colocar a mão na massa", que é essencial para exercitar a criatividade - lembra do "ócio criativo", de Domenico Di Masi? Ao evitar o ócio, também estamos evitando a criatividade?

Está deslocando!
Gostei particularmente da ideia de que a tecnologia está deslocando a criatividade. Deslocar significa mudar algo de posição, não substituir ou destruir, mas tirar do lugar. Como comentou um amigo no meu post: "Antes, as crianças desenhavam no papel. Minha filha constrói casas e prédios no Minecraft. Nas redes sociais, meu filho fica tentando fazer um roteiro no RPG Maker. Antes, seriam contos fantásticos em papel e lápis." Fazendo o paralelo com o mundo da comunicação, a tecnologia vem deslocando o processo criativo, trazendo mais possibilidades de materialização, mas não mudando a criatividade em si.

Enfim, tudo depende da nossa atitude perante a tecnologia, se vamos nos perder nela ou usar de todo o seu potencial. Como comentou outro amigo, game designer na Europa, "a questão é que com processos criativos e ferramentas novas vem a necessidade de conhecimentos novos. Aí muita gente desanda por estar engessado".

Depois de tudo isso, só nos resta sair da zona de conforto, o que significa agir desconfortavelmente para lidar com as inovações e transformações deste mundo novo. Está mais do que na hora da publicidade dar as mãos à tecnologia, não como um poço que nos aprisiona e nos afunda, mas como plataforma de lançamento para voos exponenciais.

Karina Israel, co-fundadora e CGO da YDreams Global

Leia texto anterior da Karina aqui

 

Leia o artigo anterior da autora, aqui.

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