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SxSW 2022

'The push CEO': Albert Bourla, da Pfizer

15.03.22

Doutor em Medicina Veterinária e Ph.D. em Biotecnologia da Reprodução, o greco-americano Dr. Albert Bourla se tornou uma das figuras mais conhecidas do mundo nos últimos dois anos. Caso não tenha se lembrado pelo nome, estamos falando do Chairman e CEO da Pfizer, farmacêutica que conseguiu a primeira autorização para uso emergencial da vacina contra o coronavírus, que já matou mais de 6 milhões de pessoas em todo o mundo. De tão pop, conheceu até o Papa. E entre tantos líderes e personalidades mundiais com quem esteve nesses últimos 24 meses, foi o encontro com Francisco, no Vaticano, que mais o marcou. "Ele me disse: 'Obrigada por tudo que você fez pelo mundo'."

Mesmo antes de ouvir as palavras da autoridade religiosa, o executivo sabia da missão que tinha diante de si e adotou a pressão como sua principal aliada. No livro Moonshot: Inside Pfizer's Nine-Month Race to Make the Impossible Possible", lançado neste mês de março, conta que, quando exigiu da equipe que a vacina estivesse pronta e que fossem produzidas centenas de milhões de doses até outubro de 2020, o time disse que era impossível. "Eles estavam certos, mas era algo que tinha que ser feito. Pedi que revissem todo o plano e encontrassem como tornar o impossível possível", revelou ele à apresentadora do Yahoo Finance, Julie Hyman, que o entrevistou no SxSW 2022.

Claro que, nessa corrida contra o tempo, facilitou ser a prioridade de orgãos e instituições responsáveis por análises e avaliações que poderiam durar meses ou anos. Assim como a disposição imediata de voluntários para os testes; a realização paralela de processos que em situação não emergencial são feitos um após o outro; e a utilização da tecnologia, com seus algoritmos e tantas outras ferramentas, para ajudar as mentes humanas e estudiosas a agilizarem essa longa e exaustiva jornada.

Foram nove meses de muita pressão e o Dr. Albert Bourla foi parar no "The Wall Street Journal" como "The Push CEO". "Estávamos desenvolvendo algo que impactaria o mundo. Deixa de ser sobre você, sobre a empresa. É sobre o mundo preso dentro de casa esperando por aquela solução. Você não pode falhar. Esse é um momento em que você tem que colocar pressão, fazer o que tem que ser feito. Não tem escolha", confessou.

Julie Hyman lembrou que enquanto a Pfizer trabalhava neste modelo insano, muitas empresas se voltavam para a saúde mental de seus times. "Eu errei, sou humano. E me arrependi de algumas interações individuais desnecessárias e desagradáveis", confessa ele, sobre a relação com pessoas que, em geral, estavam dando o seu melhor, mas acabavam sendo portadoras de más notícias. E foi uma avaliação já tradicional da empresa, entre seus pares de trabalho, que o mostrou que ele precisava rever esse comportamento.

Existem quatro valores que norteiam a Pfizer e esta avaliação semestral: coragem, excelência, equidade e alegria. "Eu sempre tive ótimas notas, mas nesse período minha pontuação para alegria despencou. Fui entendendo que as pessoas me perdoavam, pois entendiam que eu estava fazendo algo que era necessário, mas não esqueciam. E usaram a avaliação para me dizer que trazer ao mundo a vacina que todos esperavam não justificava meu comportamento."

Mais um momento que mostra o humano por traz de um executivo cuja função estava sob o olhar atento do planeta, foi descrito por Julie, ao citar a parte do livro em que ele conta que depois de descobrir os resultados dos testes de eficácia da vacina, 95.6%, e de se reunir com a equipe, ele foi para casa e deu as mãos para seus filhos. "Foi uma descoberta de esperança que emocionou a todos nós, mas quando li essa parte no seu livro me emocionei novamente", disse ela.

A complexidade do que estava sob os cuidados de Dr. Albert Bourla fazia com que ele lidasse com frustrações o tempo todo. Algumas questões eram cruciais e podiam simplesmente inviabilizar a vacina. "Tive momentos desanimadores, mas sempre íamos atrás de novas possibilidades. Sempre confiei que não falharíamos".

Sobre ter passado pelos dois governos estadunidenses, do republicano Donald Trump, no início da pandemia, e do democrata Joe Biden, a partir de janeiro de 2021, Dr. Bourla afirmou acreditar "que todas as pessoas à frente do FDA (Food and Drug Administration), do CDC (Centers for Disease Control and Prevention) e da Casa Branca, nos dois momentos, queriam o melhor para a população. Mas que cada governo tem níveis de organização muito diferentes." Segundo ele, no entanto, as coisas se complicaram com a polarização política nos Estados Unidos, quando questões de saúde pública, como o uso da máscara, se tornaram bandeiras partidárias. O governo Trump também colocou alguns obstáculos, talvez porque, caso não vencesse as eleições - o que aconteceu -, não levaria o crédito pela vacina que traria esperança a uma humanidade que se encontrava na escuridão. "O governo Biden foi mais profissional e nos permitiu seguir adiante com mais tranquilidade", revela.

Contextualizando, vale lembrar que no Brasil não foi diferente e o próprio presidente Jair Bolsonaro, juntamente com outros representantes de seu governo, manifestou-se publicamente, inúmeras vezes, incitando que a população não adotasse medidas protetivas, como o uso da máscara, o distanciamento social, ou mesmo sugerindo o uso de medicações comprovadamente ineficazes para o combate do Covid-19, entre outras questões envolvendo o tema.

No momento, a ciência e as grandes farmacêuticas estudam a periodicidade com que teremos que nos vacinar para conviver com o vírus de forma mais segura, como já está acontecendo, e para que possamos ir voltando ao que chamamos de normalidade na convivência social. Enquanto isso, ainda há muita gente sem vacina. Seja por opção, ou por falta de estrutura e acesso. Neste caso, o CEO da Pfizer criticou governos que não se prepararam para distribuir a vacina, mesmo quando recebida, inclusive como doação. Dentro da polarização do "vacinar ou não vacinar", ele acredita que os que já se vacinaram vão seguir as próximas recomendações que vierem, baseadas em estudos. E os que não se vacinaram, provavelmente não irão.

Obviamente o chairman e CEO da Pfizer, empresa no topo  do ranking das mais valiosas, nos últimos meses, tem sofrido pressões para se retirar da Russia, como retaliação pela invasão à Ucrânia. "É uma decisão difícil que precisa ser tomada. Não faremos novos negócios no país, mas não podemos simplesmente interromper o envio de medicamentos para uma criança em tratamento de câncer em Moscou, só porque ela nasceu ou mora na Russia", salientou. Segundo ele, a Pfizer vai doar todo seu lucro proveniente de subsidiária russa para apoiar os esforços humanitários na Ucrânia.

Em uma comparação com o papel de Joseph Goebbles na execução dos planos de Adolf Hitler, Dr. Bourla, filho de sobreviventes do Holocauto, falou sobre as fake news que envolveram sua vida pessoal. Fake news usadas para convencer a população, principalmente a mais pobre, a não tomar a vacina, mesmo isso custando vidas. Em uma das notícias falsas ele teria sido preso pelo FBI (Federal Bureau of Investigationpor fraude. Em outra, sua mulher teria morrido vítima da vacina, que teria sido forçada por ele a tomar. "Isso é criminoso", sentenciou.

Vale lembrar que a indústria farmacêutica nunca foi tão aberta, postando resultados de estudos quase em tempo real, para informar a população sobre os avanços da vacina. Transparência, aliás, que se tornou marca da empresa. "Há alguns anos, seria impensável estar no palco com alguém na sua posição", destacou a jornalista Julie Hyman. Questionado se esse teria sido o motivo para a publicação de seu livro, ele contou que escreveu porque sabe que muitas das informações reais de agora serão esquecidas ao longo da história. "Serão lembrados os reencontros dos avós com seus netos depois de tanto tempo. E eu queria deixar registrada minha perspectiva dessa parte da história, assim como mostrar que juntamente comigo tinha muita gente trabalhando para viabilizar a vacina. No livro eu cito 40 ou 50 pessoas que não mediram esforços nesse processo", diz ele.

Albert Bourla acredita que "na próxima década viveremos um renascimento científico" que vai impactar muito na vida das pessoas. E que na indústria em que atua, e que movimenta bilhões de dólares, o segredo da rentabilidade é fazer avanços que melhorem de fato a vida dos pacientes. No entanto, alerta para a necessidade de uma reforma para garantir acessibilidade a essa qualidade de vida e afirma que isso deve envolver tanto governo quanto iniciativa privada. "Sou contra o status quo. Americanos, por exemplo, pagam do bolso por seus medicamentos, como se não tivessem plano de saúde. Mas têm medidas sendo tomadas nos Estados Unidos que podem começar a corrigir isso", declarou. Para ele, "igualdade não é distribuir igual. É dar mais para quem precisa mais".

Clubeonline está no SxSW 2022 por conta do patrocínio de Africa; Arena; Beats; Chucky Jason; Live; Mutato; Netza&cossistema; New Vegas; 99; Publicis Brasil; Smiles e Soko.

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