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Festival do Clube 2019

Novos olhares na direção: é preciso mergulhar mais fundo

22.09.19

As marcas estão cada vez mais retratando minorias antropológicas - pessoas LGBTQ+, mulheres, negros - pelo potencial de consumo que esses grupos representam e pela sua força social. No entanto, nas empresas anunciantes, nas agências, nas produtoras, no mercado em geral, o poder de decisão ainda é extremamente masculino e branco. Os “novos olhares” na direção de cena não deveriam se relacionar mais com uma efetiva mudança de perfil de quem conta essas histórias? A provocação foi feita pela diretora de cena Mari Youssef, da Paranoid, mediadora da mesa "Direção de Cena: Onde Estão os Novos Olhares?”, no Festival do Clube.

Para Juliana Vicente, sócia e diretora de cena da Preta Portê Filmes, sempre se falou sobre pessoas negras, indígenas, periféricas, mas o tempo todo sob uma perspectiva branca, heterossexual, masculina. "A narrativa ainda é pautada por pessoas brancas. Quem está na frente da criação não é negro, da periferia ou indígena. Estamos 'na moda', mas ainda há uma barreira bastante complexa e difícil para se cruzar nesse momento de mercado", constatou.

A executiva afirmou que as marcas buscam por um lugar de legitimação e revelou ao público que uma marca de cerveja procurou a Preta Portê com uma pauta feminista e havia dois filmes: um era para promover a bebida propriamente dita e o outro era um making of da composição da equipe de produção. "Eles não queriam que fizéssemos o filme da cerveja, mas apenas a parte militante. Recusamos, dizendo que a Preta Portê não precisa legitimar outra marca para existir", contou.

Nesse cenário, os participantes da mesa, em geral, concordaram que, apesar de diversas marcas estarem interessadas em participar da discussão sobre diversidade e buscarem novos olhares, muitas vezes acabam ficando apenas na superficialidade e não mergulham neste universo de forma mais contundente, de forma a realmente representar essas minorias. "As marcas estão interessadas, mas não procuram viver essas experiências, fazer com que as pessoas realmente se sintam representadas. É bonito, é plástico visualmente falando, mas ainda muito superficial. Precisa haver um aprofundamento", analisou Felipe Sassi, diretor de cena da Academia de Filmes.

"Superficial é uma palavra branda", emendou Cesar Nery (da dupla Kid Burro), diretor de cena da Stink. "As marcas buscam passar a imagem de que estão pensando nisso (na questão da inclusão), mas na realidade, em geral, não estão. Por exemplo, participamos de uma concorrência de filme de absorvente, o assunto era importante, com o objetivo de ajudar a tirar o tabu sobre a menstruação. E só tinha homem concorrendo. As empresas e também as agências precisam começar chamar pessoas que realmente tenham a ver com a realidade que elas querem trazer", defendeu.

Apesar dessa necessidade urgente de que as narrativas sejam construídas a partir do olhar das minorias, é possível ter um “novo olhar” sob o ponto de vista "dominante" na sociedade? Para Breno Moreira, diretor de cena da Capuri, para que isso ocorra, é importante enxergar o outro em sua totalidade como ser humano e compreender o seu "lugar de fala". "Fiz um curta sobre Desmond (assista abaixo), uma criança de nove anos que é drag queen. Eu sempre procurei enxergá-lo como ser humano, não como uma ‘bandeira’. Minha busca foi tentar saber profundamente sobre a vida do pequeno, interpretá-lo como uma pessoa", contou.

Sassi também defendeu que, se a pessoa não tem o "lugar de fala" quando vai contar a história, tem que buscar experimentar a vivência do outro e, para tanto, é preciso tempo. Ele citou o videoclipe "Sente o Tambor" (veja abaixo), realizado para o artista Caio, que é negro e indígena. "Foram quatro, cinco meses para pensar no clipe - e geralmente são apenas cerca de duas semanas. O tempo que possibilitou descobertas, aprofundamento", declarou.

Nery concordou com a questão do tempo para efetivamente se trazer novos olhares, sem ficar apenas na superfície. "É necessário ter tempo para estudar e ter conexão com tema. Com Leica, por exemplo, nós tínhamos tempo, algo raro na publicidade. Fomos estudando, fazendo e quando finalizamos o trabalho, dava para ver que havia uma conexão nossa com o assunto. O filme, sobre as revoluções na Praça Celestial, foi censurado na China (leia aqui). O vídeo de cinco minutos não causaria esse impacto se não tivesse um esforço de conteúdo para construirmos a peça publicitária", defendeu. "Recebemos e-mails de chineses agradecendo por termos feito o filme, ou seja, reverberou mais do que no nosso círculo somente", comemorou Nery. "Novo olhar é isso: não tem o timing da publicidade, é colocar um esforço de conteúdo."

Além de novos olhares na direção de cena, a discussão também perpassou pelos novos formatos. Nesse sentido, Ian SBF, fundador e diretor do Porta dos Fundos e diretor de cena da O2 Filmes, ponderou: "todo mundo acha que o Porta é um ‘novo olhar’, mas a gente faz TV velha", declarou, mesmo diante da proposta da trupe humorística de explorar o meio internet, com esquetes mais "livres" do que se era feito na TV, com citação de marcas e uso de palavrões, quando houvesse adequação ao conteúdo construído pelos humoristas.

"Novo olhar, velho olhar, depende muito do momento que estamos vivendo. Em 1980, o pessoal fazia algo estilo ‘Porta dos Fundos’. Vinte anos depois o Brasil voltou à década de 1970 no humor. Hoje o Porta voltou a não ser mais novo, de novo", disse Ian (assista abaixo a uma esquete do Porta dos Fundos apresentada durante o bate-papo e um filme dirigido por ele para Netflix, pela O2 Filmes).

Em relação à questão da inclusão, Ian comentou que os donos do Porta dos Fundos são homens brancos, “não necessariamente todos heteros”, mas, em geral, representantes de um olhar "dominante". "Não tinha mulher escrevendo, a gente trouxe. É um processo que a gente tenta fazer certo, mas tropeça mais do que gostaria", admitiu.

Juliana, que apresentou o trailer da série Afronta!, coproduzida pela Preta Portê e pelo Canal Futura e que traz artistas e pensadores negros a partir de relatos pessoais (assista abaixo), encerrou a discussão lembrado que ela participa de inúmeras discussões sobre inclusão, mas que urge, antes de mais nada, discutirmos a questão do privilégio. "Se quisermos de fato mexer nas estruturas, precisamos falar sobre privilégio. O assunto gera tensão, mas precisa ser discutido, senão vamos apenas ficar patinando e maquiar a questão, continuando na superfície. E já há estudos que mostram que empresas mais diversas geram mais lucro – não sou eu quem estou falando, é uma consultoria global, a Mckinsey", ressaltou a diretora.

Valéria Campos

Veja a programação completa do Festival do Clube de Criação 2019.

SERVIÇO


Festival do Clube de Criação
Setembro, 21, 22 e 23 - 2019 - sábado, domingo e segunda-feira
Local: Cinemateca Brasileira - São Paulo - Brasil
Largo Senador Raul Cardoso, 207, Vila Clementino
Ingressos à venda (aqui). Garanta já o seu.
Hosted by: 
Clube de Criação
55 11 3034-3021
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Instagram - @ClubedeCriacao
Teremos serviço de shuttle para quem quiser estacionar no Hotel Pullman Ibirapuera
Horário
: das 08h30 às 22h30
Trajeto: Pullman / Cinemateca / Pullman
Abertura dos portões e do credenciamento: sábado, domingo e segunda às 9h

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