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Lions Festivals 2016

Grey devolve Leão. E os rastros deixados este ano

07.07.16

Ali Bullock, gerente de mídias sociais e palestrante, que trabalha na Infinity Motor Company (divisão de automóveis de luxo da Nissan) escreveu uma carta aberta à Grey de Singapura (leia na íntegra aqui), no dia 5 de julho, chamada "Por que eu nunca vou contratá-la", criticando a agência por ela não ter devolvido o Leão de Bronze que abocanhou na categoria Promo & Activation, no Cannes Lions 2016.

O prêmio se deu por conta do aplicativo "I SEA" - projetado para 'ajudar usuários a encontrar imigrantes que cruzam o Mar Mediterrâneo' - que, segundo a Grey, estava ainda em fase de testes e foi apontado como trabalho fake, caça-prêmio. O principal problema do app, desenvolvido para o serviço de resgate Migrant Offshore Aid Station (MOAT), era um recurso de GPS que prometia fornecer imagens em tempo real de áreas no mar Mediterrâneo nas quais os imigrantes poderiam ser localizados, mas, em vez disso, repetidamente reproduzia uma mesma imagem estática da água (leia aqui). Depois disso, a organização do Festival informou que iria rever a elegibilidade do app (leia aqui).

"Eu gostaria de começar este post com uma mensagem simples. Esta é uma questão pessoal, não endossada por qualquer outra pessoa ou organização, exceto por mim mesmo. Dito isto, ouça-me e não se engane: Grey Singapura e Grey Global, eu não aceitarei qualquer uma de vocês em uma concorrência (...), até que seja devolvido este Leão que vocês ganharam com esta farsa", começou Bullock, na carta aberta. "Isso é algo que eu sinto que não pode ser ignorado. Eu me segurei alguns dias para escrever este post, na esperança de que (Grey Singapura) pudesse fazer a coisa certa e devolver o prêmio que falsamente ganhou. Mas, infelizmente, minha repulsa inicial já se transformou em raiva", disse.

E continuou: "Lembra-se da imagem da criança síria Aylan Kurdi, afogada em uma praia perto da Turquia, que viralizou na internet no ano passado? A Grey ganhou um prêmio pegando carona nisso. Será que champanhe e caviar tiveram um sabor salgado quando comemoraram a vitória? Imagine o sal consumido pelas pessoas que se afogaram... Uma maneira verdadeiramente horrível de morrer. E quantos morreram enquanto vocês festejavam em Cannes, afastados de tudo isso? Centenas, milhares?".

Bullock ainda criticou o fato de o projeto ter vencido ideias que verdadeiramente "estão tentando ajudar. Agências e criativos que estão trabalhando porque acreditam em um mundo melhor." "Vocês não tinham a aprovação da entidade (...). Digam-me, como é que vocês olham seus clientes nos olhos? Na verdade, como diabos vocês dormem à noite? Por favor, sintam-se livres para me responder pessoalmente ou por e-mail. Realmente, eu gostaria de saber", destacou.

No fim do texto, decidiu ponderar e dividir as responsabilidades: "talvez não seja apenas culpa de vocês . Como clientes, nós vamos até as agências e observamos sempre (sempre, mesmo) a chamada 'prateleira de prêmios'. Nos sentimos confiantes em saber que a agência é bem sucedida no que faz. E nós pressionamos vocês a ter essas bugigangas de sucesso".

E perguntou: "O que a caça por um prêmio em Cannes se tornou, quando o custo para ganhar e usar isso como ferramenta para atrair novos clientes chega a esse ponto? Nós, como indústria, descemos tão baixo a ponto de tornar isso aceitável? Este é apenas um exemplo e não é segredo que isso vem acontecendo há anos. E ninguém faz nada", disse. "Não tenho certeza do que é pior, a Grey não ter devolvido o prêmio ou a organização de Cannes não tê-lo tomado de volta. Este é possivelmente o momento mais triste que a nossa indústria já enfrentou. Deixe-me reiterar, este prêmio foi conquistado ao falsificar uma solução para a crise de refugiados. E parece que não estou sozinho nessa opinião, Sir Martin Sorrell (CEO do Grupo WPP que vai repensar a participação de sua holding em Cannes) está fazendo as mesmas perguntas que eu", escreveu Bullock.

"Se (e sublinho, esta é uma opinião muito pessoal) eu fosse um cliente da Grey Singapura ou da Grey Global, eu lhes daria uma chance de devolver o Leão e não inscrever nada no próximo ano. Isso seria um acordo generoso. Sem desculpas, sem release esperto (....). Para todos os clientes da Grey Singapura eu digo isto: pressionem a Grey a fazer a coisa certa e devolver este prêmio".

E foi ainda mais longe: "Cannes tem câncer. Está na hora de cortá-lo e vamos torcer para que possamos nos recuperar. Há muito bom trabalho (...). Mas por não pegar o prêmio de volta, o júri, organizadores e participantes de Cannes são tão responsáveis por essa vergonhosa situação quanto a pessoa que decidiu inscrever este aplicativo", acusou.

Nesta quarta-feira, 6, a Grey decidiu devolver o Leão. Segundo a Adweek, de má vontade, se achando injustiçada, mas devolveu (aqui).

Outro alerta à valorização excessiva aos Leões veio do chief creative officer da DDB WorldwideAmir Kassaei. Em conversa com os delegados do Cannes Lions, este ano, ele foi categórico: "Você não está na publicidade para ganhar a p**** de um Leão. (...) Se você acredita nisso, levante e saia desta sala. Eu dou cinco minutos para você sair, a partir de agora. Por favor. E não quero nem olhar para você", disse, enfático.

O CCO defendeu que o profissional está no mercado por apenas uma razão: "usar seu incrível talento, sua paixão, para estar com outras pessoas talentosas, para ajudar empresas, agregando valor a elas e à vida real das pessoas. Somente esta é a sua missão." O vídeo com a declaração de Kassaei foi tuitado por @BenoitCrea (aqui).

Por fim, no AgencySpy, da Adweek (leia na íntegra aqui), foi publicado um texto anônimo que avalia o significado da conquista de um Leão, assinado por um criativo que diz ter ganho um, este ano, em Cannes.

"Eu permaneço anônimo, porque não quero parecer ingrato. Sinto-me honrado por ele, mas (...) a intenção era ajudar as pessoas, não explorá-las para o meu próprio ganho pessoal", dramatizou. "Muitos dos meus amigos me parabenizaram, mas eu também percebi a decepção que eles sentiam pelo fato de que suas próprias ideias não ganharam. (...) em um mundo ideal, todos seriam recompensados de alguma forma por seus esforços. Quero dizer, imagine se nós aplicarmos este modelo ao mundo dos médicos: um transplante de coração é melhor do que outro?", comparou, de forma, talvez, equivocada.

E continuou: "a publicidade é difícil. Projetos levam meses para sair do chão, o processo é frustrante, e sua ideia pode morrer de muitas maneiras: seu chefe pode matá-la. Seu cliente pode matá-la. Algumas pessoas do focus group podem matá-la. (...) Os consumidores podem reclamar. O suporte de mídia por trás disso pode ser patético. Mesmo se você passar por todos esses obstáculos, a probabilidade de que outros na indústria odeiem a ideia é bastante elevada", ponderou.

"Apesar de tudo isso, pelo menos você fez alguma coisa. Isso não é pouca coisa, e se você já realmente trabalhou em uma campanha, então não deve precisar de um pedaço de ouro falso para validar qualquer que seja o orgulho que sente. (...) Sim, é fácil para mim, especialmente desde que eu ganhei. Mas isso realmente não faz a minha ideia mais legítima do que aquelas que perderam", ressaltou.

"Premiações são importantes para destacar os melhores trabalhos do ano anterior, mas elas podem trazer muitos danos, desenhando uma linha invisível entre alguma definição arbitrária de sucesso e fracasso. Isso é besteira, porque, como nós aprendemos mais uma vez este ano, algumas das ideias 'perdedoras' são mais reais do que as que ganharam. Nós nos concentramos tanto sobre essas estátuas mudas que estamos dispostos a mentir para nós mesmos sobre a legitimidade de nossos próprios projetos apenas para obter reconhecimento. É uma espécie de vergonha, realmente", escreveu.

"Se você é uma pessoa criativa, tente tirar algum prazer do fato de que você é pago para fazer isso na vida. Não fique muito desapontado se não ganhar nada. Lembre-se de que os organizadores de Cannes ganham um monte de dinheiro com o nosso trabalho e que a política por trás do evento pode ser tão 'complexa' quanto podemos imaginar (...). Como Ron Swanson disse certa vez: 'Não comece a perseguir aplausos e aclamação. Ou, vai ficar louco", concluiu o criativo anõnimo.

PS: segundo matéria divulgada este ano pelo Wall Street Journal, Lions Festivals teve inacreditável receita, em 2015, de quase 62 milhões de dólares (leia aqui).

Leia mais sobre as polêmicas do ano aqui.

 

 

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